A categoria do tempo surge no barroco como mudança, numa perspectiva diacrónica que retira a identidade. Está subjacente em tudo, na natureza, na vida efémera da rosa, personificação duma beleza enganadora, no navio "presumido" que jaz na praia arruinado, nos cabelos de ouro, apanágio da juventude, e nos de prata reluzente ou opaca, sinónimo de velhice, sofrimento e desilusão. O tempo é "protagonista da poesia barroca," mostra-nos que a vida e a morte deixam de ser antónimos "para serem sinónimos, pois que a vida é gérmen da morte, cada momento da vida é um avanço para a morte." (13) A metáfora, a hipérbole e a antítese são as figuras que melhor nos permitem visualizar esta categoria, tão presente na poesia barroca. Ela traduz um espírito de transformação, ao contrário da poesia petrarquista que vive o tempo numa perspectiva sincrónica.
Petrarca ama uma mulher ad eternum, tem preocupações psicológicas, exprime um "eu," emoldura a sua fixação feminina num ideal de beleza que não sofre o desgaste do tempo. Em Petrarca, o poema organiza-se dois a dois versos, ou três a três que são movimento em espiral, uma nublosa que tem um centro - o amor - busca contínua, obsessão.
A organização da linguagem barroca é vista como um conjunto. A própria instabilidade, sem ser ontológica, é no discurso um fenómeno muito muito bem organizado, com uma ideia que se leva até ao final do poema. Quando descreve o contrário da excepcionalidade, faz o hiato entre o petrarquismo e o romantismo. A sua visão da noite e da morte anuncia o pré-romantismo de Bocage ou de Filinto Elísio.
Na poesia barroca há requinte na análise humana, dissolve-se a psicologia e entra-se na metafísica. A linguagem barroca é antipetrarquista, corta com duzentos anos de "cópia" de "imitação". Afirma um estilo novo, com uma comunicação que saiu fora do comum. Propõe uma estética cuja ideia central de cada poema funciona como ponto de fuga, alongamento, perspectiva pictórica. O poeta exprime um ponto de vista, o seu, que nos mostra um "eu" dividido, angustiado. Talvez por isso encontremos tantos temas jocosos, de face grotesca, como que se a vida fosse uma trágico-comédia e o cómico funcionasse como ethos. Thomás de Noronha ou Pinto Brandão, Serrão de Castro, D. Francisco Manuel de Mello, ou Nicolau Tolentino, são disso exemplo. O riso, a sátira, funcionam como armas demolidoras que não se coíbem de destruir o visado, seja um ser individual ou a sociedade em que estão inseridos. No entanto, esse riso é, por vezes, patético. Há um "patos" que nos faz lembrar aqueles palhaços que riem, ou fazem rir, com as lágrimas pendentes, doloridas. A máscara torna-se no próprio rosto. São obscenos, irónicos, porque estão divididos, desiludidos. Usam a poesia como um escape, como jogo, riem de tudo e de todos, de si próprios.
O lamento, as lágrimas, também são recorrentes na poesia barroca. António Bacelar foi um dos seus dos seus cultores. Elegíaca, dedicada, panegírica, fúnebre, faz contraste com a jocosa e constitui um acervo de relevo, talvez mesmo superior à sátira, essa atitude de espírito que, como Schiller disse: é oposta à elegíaca, que vive da tenção entre ideal e real e tende a considerar a realidade como objecto de rejeição até de repulsa, mesmo quando a realidade se apresente no "manto" da utopia.
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(Continua) p.4
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