sábado, 16 de março de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

ARTE
POETICA

PARTE PRIMEIRA
(Continuação)

Na copia suave das paixoens sensíveis
Não tem lugar o impulso da agudeza:
He contra a propriedade, e a natureza
Que hum anima phrenetico, e empenhado
Possa ser em concurso taõ inquieto
Menos apaixonado, que discreto:
Este defeito se acusou ao Tasso
No pranto de Tancredo, e no de Armida:
Commovei-vos primeiro, se a outra gente
Quereis ver alterada, ou commovida
Haveis de prenotar attentamente
Quanto fazem os homens exhortados
Das violentas paixoens: representados
Poreis estes affectos nos lugares
De que mais occasiaõ vos contentares.

Se quereis ser amado, amai primeiro,
E isto mesmo acontece assim em todas
As modificaçoens, que faz a alma:
Para triunfar, para levar a palma
No amor, na compaixaõ, na dor, no alento
Deve mostrar-se o vosso pensamento
Com o impulso mais forte, e mais activo,
Valente, afflito, amante, compassivo.

Alguns homens grosseiros, que não sabem
Distinguir os sentidos das potencias,
A Poesia desprezaõ, pois lhe chamaõ
Hum compendio infeliz de falsidade:
Esta gente que a tanto se persuade
Nunca teve de falso, e verdadeiro
A devida noçaõ: He só mentira
O falar contra o mesmo, que se inspira:
E a verdade se expõem, onde se alcança
O provavel, o certo, o verísimil
Muitos objectos certos, ou prováveis
Se encontraõ muitas vezes na Poesia
Como a Jurisprudência, a Geographia, 
A Physica, a Moral, e outras sciencias,
Que o Poeta lhe aproveita, para o ornato,
Ou para as instrucçoens dos seus leitores:
Porém deixemos aos Historiadores
O provavel, e o certo, pois só toca
A verisemelhança ao nosso assumpto:
A Poesia da Historia se distingue
Narrando esta o que foi, dizendo aquella
O que devia ser: útil, e bella
Se faz mais a Poesia desta sorte:
Quem póde duvidar que melhor norte,
E melhor exemplar aqui se offrece?
Se toda a acçaõ humana naõ carece
Das sombras mais grosseiras, estas sombras
Apartadas na ideia, e no conceito,
Nos propõem hum objecto mais perfeito,
Para ser imitado, quando incrivel
Se naõ mostre no excesso, e na desordem:
Não se precisa pois de ser constante,
Basta que seja verisemelhante.

Porém o verisimil necessita
De ser maravilhoso, pois sem elle
Não póde haver Poesia deleitavel:
Sendo esta huma perpetua imitadora
Da vasta Natureza, naõ melhora
Muitas vezes as suas entidades,
Revestindo as diversas qualidades
Do vulgar, e commum: deve escolher-se
O mais raro, e exquisito, para assumpto
Do métrico exercicio, e se he preciso
Que no metro o vulgar se represente,
Deve o engenho fazê-lo preeminente,
Admiravel, e novo, com as luzes
Mais claras, e brilhantes do artificio,
De tal sorte que sempre lhe aconteça
Que a admiraçaõ no Verso resplandeça.

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(continua)p.13

    

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