ARTE
POETICA
PARTE PRIMEIRA
(Continuação)
O estylo, em que com vosco tantas vezes
Tenho fallado, e discutido, he parte
Da metrica doçura: pouco a arte
Poderá conseguir nesta ardua empreza
Se a ella naõ concorre a Natureza.
Tres generos de estylo distinguiraõ
Os antigos Rhetoricos, chamando
Asiático ao diffuso, Atico ao breve;
E ao que neste, e naquele hum meio teve,
Com o nome de Rhodio o conheceraõ:
Estas tres differenças procederaõ
Do génio das Naçoens: Amava a Ásia
Os adornos, e a pompa: conhecia
A Grecia huma discreta melodia
No impulso natural: participava
A eloquencia, que a Rhodes agradava
De huma, e de outra distancia: aquele gosto,
Que havia entre o singelo, entre o composto
Teve maior partido: mas a regra
Mais certa dos estylos vem do assumpto:
Quer hum grande argumento phrases grandes:
O nome de sublime a este estylo
Se tem dado: de infimo ao tranquillo,
Que só trata de cousas mais commuas
Nas practicas, ou cartas familiares:
Medriocre se chama o que no meio,
Com mais graça, elegancia, e mais asseio
De hum, e de outro igualmente participa:
Ao sublime pertence toda a pompa
Dos periphrases, tropos, e figuras,
Mas com a parcimónia mais discreta,
E huma animaçaõ, onde a trombeta
No estrondo dos tambores tosco, e rudo,
Naõ caia, ou naõ affecte hum falso estudo.
A clareza dos termos, e das vozes
Não deveis sujeitar á brevidade:
Confessa Horácio que na escuridade
Se despenha, se breve ser pertende:
Tudo claro ha de estar: sem evidencia,
Gosto naõ póde haver, nem eloquencia
Póde brilhar, com resplandor distinto,
Na opaca confusão de hum labyrinto.
Sobre a licença de palavras novas
Levantado se tem grande disputa:
Huns querem, com paixaõ bem absoluta,
Que huma voz estrangeira manche o idioma:
De outro modo este escrupulo nos toma
O Mestre Horacio, e o Mestre Quintiliano,
E inda o mesmo Aristoteles: profano,
Barbaro, rude, informe, atroz, grosseiro
O estylo se acharia, se o primeiro
Dialecto conservasse: á Grega fonte
Muitas novas dicçoens pedio o Lacio;
E este exemplo igualmente determina
Que tambem as peçamos á Latina.
Com tudo, nem a todos se concede
Que possaõ merecer o que se pede:
Hum sabio de huma Critica profunda,
E onde o novo vocabulo se funda
Na razaõ, no decoro, e na pobreza
Dos termos, com que intenta declarar-se,
He que licença tem de aventurar-se
A deixar, com a voz introduzida,
A lingua mais copiosa, ou mais polida.
A nossa lingua fora sepultada
Inda no torpe horror do seu principio,
Se hum Barros, se hum Camoens, Vieyra, e Freire
Naõ empreendessem, com valor illustre,
Com sabia presumpçaõ, nobre ousadia,
O tirá-la da cinza, em que dormia.
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(Continua) pp.15
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