sábado, 3 de novembro de 2012

Clepsydra de Camilo Pessanha - Sinopse da E. C. de Paulo Franchetti

(Continuação da Introdução)

Camilo Pessanha viveu cerca de trinta anos em Macau, era uma pessoa introvertida e isolou-se voluntariamente. Diz-se que gostava mais dos cães do que dos homens. Seria a mulher que o terá recusado, mas se manteve sua amiga toda a vida, Ana de Castro Osório, que iria publicar o seu livro de poemas. No entanto, fê-lo segundo o seu critério e na ausência do Poeta. Seriam cinquenta poemas que Pessanha terá levado toda a vida a limar e dos quais, por vezes, existem dez versões.(Daniel Pires). Até há bem pouco tempo não havia em Portugal uma edição crítica da Clepsydra. Existia em Itália.
Sabemos que "as reacções ao bedierismo vieram quase exclusivamente da filologia italiana, cuja matriz fundamentalmente historicista não podia admitir a supressão da perspectiva histórica nas operações de restituição e de interpretação do texto. Deixando de lado as contribuições teóricas e práticas de muitos outros filólogos -  entre estes, H. Quintim (1926) com a sua proposta de uma análise «quantitativa» dos testemunhos, hoje facilitados pelos computadores  - limitar-nos-emos a lembrar os nomes (...) de Giorgio Pasquali e Gianfranco Contini, que são sem dúvida os investigadores e teóricos de maior relevo no âmbito da crítica textual moderna.
Pasquali, lachmanniano, mas com reservas importantes, introduziu ou aperfeiçoou na metodologia crítica alguns preceitos fundamentais. (...) Contini forneceu contribuições não menos relevantes ao refinamento da crítica textual, elaborando um conjunto de critérios novos e flexíveis que permitiram ao método de Lachmann  recuperar a credibilidade perdida e deram origem ao chamado «neo-lachmannismo ou pós -lachmannismo» italiano. A sua atitude perante a posição de Bédier pode resumir-se nestas palavras, ditas por ele em 1942: «O defeito de Bédier é o de não se aperceber de que uma edição crítica é, como qualquer outro acto científico, uma mera hipótese de trabalho, a mais satisfatória (a mais económica) entre as que coligam os dados de um sistema." (3)
Mesmo com todas as limitações que surgem em todas as investigações, Ivo de Castro é de opinião que só a edição crítica pode dar conta do fenómeno da variação que geralmente surge entre duas versões de um texto (ou entre uma cópia e o seu exemplar, ou entre duas cópias independentes),   fundamentalmente através de duas componentes: por um lado, oferece a transcrição conservadora ou normalizada, de um texto, a qual pode combinar lições de dois ou mais suportes e pode ainda incorporar emendas conjecturadas pelo editor (texto crítico). Em separado, apresenta os grupos de variantes dentro dos quais o editor escolheu as formas que fixou no texto (aparato crítico). Sendo que, e ainda segundo o mesmo autor, as fases da elaboração de uma edição crítica são as seguintes: recensão, que consiste na localização e descrição de todos os testemunhos existentes do texto que se pretende editar, colação, ou cotejo desses testemunhos, para verificar as variantes que os separam; estemática, interpretação das variantes para se estabelecer o parentesco entre os diversos testemunhos e se reconstituir o processo de transmissão, com identificação dos arquétipos, elaboração do stemma, encimado pelo original do autor, por definição inatingível, e, por fim, as sucessivas cópias.
O estabelecimento do texto a partir de um ou mais testemunhos de base, completado pela transcrição e pela emenda necessária entre variantes para se escolher a lição de um deles. A última fase de uma edição crítica é a anotação, que pode corresponder a um comentário interpretativo, das dificuldades do texto e, imperativamente, a explicitação dos motivos das decisões tomadas pelo editor ao longo das diversas fases; o aparato crítico, onde são albergadas as variantes preteridas no estabelecimento do texto, é o principal veículo dessa explicitação.
Depois de ter feito minhas as palavras de Ivo de Castro, não posso deixar de referir que se me perspectivaram não uma, mas duas críticas textuais: a crítica textual tradicional, que acabamos de enumerar, que tem por objecto um original ausente e constrói um stemma para chegar aos arquétipos, que pode combinar durante o estabelecimento do texto crítico, tornando-o assim híbrido (Maas; 1962; Timpanaro, 1981) segundo o  processo «neo-lachmanniano», ou então, segundo a crítica «bédieriana», que prefere reproduzir apenas o testemunho de um manuscrito, considerando-o melhor do que um texto híbrido, sem referências históricas. Sendo que, nesta crítica textual, as diferenças são apenas de método, quanto à escolha da lição a editar.
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(Continua)

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