A segunda crítica textual é a crítica genética que trabalha com o original presente, manuscritos ou textos dactilografados ou a computador, impressos revistos pelo autor, em que se sabe qual a sua última fixação do texto. Então, neste caso, não será necessário estabelecer uma genealogia entre os textos e partir-se-á para uma edição de reprodução fiel da escrita. Porém, esta edição não poderá ser interpretativa e, por vezes, o editor também se depara, não com um único original, mas com várias etapas da génese do texto. Terá que escolher a fixação do texto, partindo, talvez, do pressuposto de que o último texto escrito e revisto pelo escritor é o fidedigno. E as reescritas que o autor deixou desse mesmo texto, devem ou não ser publicadas? Não trarão elas informações preciosas sobre a evolução criativa do autor? Este não será, rigorosamente, um interesse da filologia, mas irá conduzir ao desabrochar desta crítica genética.
A esta crítica - genética - digamos que lhe interessa todo o processo laboral do escritor, todas as folhas por ele escritas, desenhadas, riscadas, emendadas, mesmo que elas tenham dado origem a um único texto final, representam os rascunhos que podem ser datados cronologicamente e que, sistematizados num aparato genético, podem dar informações complementares sobre o texto e o autor. Como que propõe uma "ciência da escrita" e é, por isso, parcelar. Privilegia não o escrito, mas a escrita. A crítica genética não fala de literatura, fala da escrita. Os genéticos, ao estudar a rasura, estão a estudar a génese, o ante - texto. Esta ciência obtém um primeiro resultado com Flaubert, que escrevia e reescrevia. A literatura começava com a rasura.
Poderemos dizer que Edgar A. Poe, com o seu texto: Filosofia da Composição, ao vê-lo traduzido por Baudelaire com o título: A Génese do Poema, ou, em português, Três poemas e uma génese, terá dado início a este interesse genético da obra, ao texto como "tecitum". Tecido que se vai tecendo em sucessivos estádios até à plena e última intenção do autor. Era uma nova concepção da arte que Poe iria alimentar e que se tornaria muito importante para a modernidade, mesmo que tenha sido Baudelaire a definir essa mesma modernidade.
Apesar de Poe ter sido um escritor popular, que quis fazer algo para ser lido por um máximo de pessoas, não recusando o papel de "estrião literário", veio a influenciar não só Baudelaire, mas também Vallery, Mallarmé e Eliot. Para ele, a inspiração é atenção, energia e entusiasmo, era possível "aprender" a originalidade. O acaso e o incompreensível eram inimigos para Poe, que recusava a elegibilidade e a excluía, passando tudo pelo crivo da inteligência.
Assim como Pirandello tinha mostrado os bastidores do teatro, era necessário mostrar o mecanismo interior da construção do texto, os bastidores da escrita do poema.
Mesmo que Poe tenha construído uma ficção, o seu texto foi capital para tudo o que chamamos moderno.
Este é o trabalho da "crítica do original presente, à qual, atendendo a que o seu objecto de estudo é constituído por autógrafos preservados depois do século XIX, isto é, por manuscritos modernos, se pode também chamar crítica textual moderna." (2)
Antes de terminar esta breve introdução diremos que esta resenha, não será minuciosa mas, tentará seguir a organização do livro através da numeração e dos títulos dados pelo autor. Iremos observar o método de trabalho que Paulo Franchetti utilizou nesta "sua", Clepsydra, de Camilo Pessanha. Editor crítico que, cremos, é também "professor de leitura lenta".
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Notas:
(1)- NIETZSCHE, F., Aurora, Colecção Substância Res, pp.11.
(2)- CASTRO, Ivo de, Biblos, Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, pp.602-610.
(3)- LANCIANI, Giulia e Tavani, Giuseppe, Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa,Editorial Caminho, Lisboa, pp.229-233.
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