A viagem de Dante através dos reinos ultramundanos tem uma finalidade que não se reduz à salvação da sua alma. Dante está vivo e deve tornar manifesta a sua visão quando volta para o meio dos vivos. Assim, todos os homens poderão refazer com ele a sua viagem e renovar-se com ele. O renascimento do mundo contemporâneo é o que Dante espera da sua obra de poeta."(4)
Francesco Petrarca também já se tinha distânciado do mundo medieval, e, ainda que dividido "entre a exigência do espírito da Idade Média, que quere o homem concentrado em si mesmo e estranho a tudo o que lhe é exterior, para sua salvação eterna,"(5) já vive o dilema do seu amor por Laura, e o desejo das glorificações terrenas. Efectivamente, Petrarca espera e anuncia um mundo novo. Será possível datar esse novo Renascimento?
É difícil datar o período renascentista, pois este caracterizou-se por diversos acontecimentos, quer no plano político, com a criação de Estados nacionais, que surgem como resultado da desintegração do Império acontecida no final da Idade Média, quer no âmbito económico, quer no desenvolvimento da burguesia e no próprio crescimento do individualismo, que também tem início no século XIV.
Quanto ao aspecto humanista, terá sido especialmente Petrarca um predecessor, e, no terreno filosófico, o Renascimento caracteriza-se pelo estudo directo e pela assimilação dos autores gregos, que irão influenciar inclusivé o desenvolvimento científico, especialmente Arquimedes e Pitágoras. Por tudo isto, não poderá falar-se numa ruptura absoluta com a Idade Média, "mas talvez seja mais acertado falar de desenvolvimento e expansão de certos fenómenos que nela tiveram origem." (6)
Contudo, uma tradição escolar fixa a data de 1453 para o início da Renascença, quando os turcos tomaram Constantinopla. Mas o fim do Império Bizantino não é uma data muito importante para o Ocidente; no entanto, sublinham o facto de a queda de Bizâncio favorecer a dispersão de eruditos e o renovar da cultura grega, mas a diáspora bizantina é anterior a 1453, e o concílio de Ferrara-Florença, reunido em 1438, com vista à união das igrejas, representa um esforço desesperado para salvar a cristandade oriental em 'perdição'. O concílio faz vir para Itália intelectuais gregos que terão uma influência decisiva sobre a cultura.
Outros historiadores propõem fixar o início do Renascimento na data de 1492 quando Cristóvão Colombo desenbarca em Cuba, inaugurando o Novo Mundo.
Mas a exploração de Colombo não é mais que um episódio dentro do desenvolvimento da epopeia geográfica, em que o promotor mais lúcido, segundo G. Gusdorf, foi o príncipe português D. Henrique, o Navegador, que nasceu em 1394 e faleceu em 1460.
Michelet faz, por sua parte, coincidir a data de 1494, quando a armada de Carlos VIII invade a Itália. Esta expedição terá tido um valor cultural decisivo, pelo contacto com os franceses. Porém, Laurent de Valla, o Magnífico, morreu em 1492, ao mesmo tempo que Piero dela Francesca. Pico de la Mirandola em 1494, e Marcile Ficin viveu até 1499. Quanto a Nicolau de Cusa, um dos maiores filósofos da Renascença, senão o maior, morreu em 1464.
Outros historiadores propõem datar a renascença com a invenção da imprensa, que sublinha o carácter cultural do período em questão; em 1450 Gutemberg abre o seu atelier em Mayence. Porém, o facto situa-se, em todo o caso, para o Ocidente, não em 1450, mas no decorrer da primeira metade do século XV. Sobretudo realçam a invenção da imprensa porque esta permitiu uma melhor divulgação da cultura espiritual, multiplicando as possibilidades desse Renascimento.
Revelando um valor simbólico, esta data deve reter-se na ordem da cronologia, porque a Renascença não é um fenómeno unitário. Se a Itália tem o século XV como o grande séc. da Renascença Florentina, o séc. XV é para o resto do Ocidente fortemente medieval. Entre a Europa e a Inglaterra, até 1453, durou a guerra dos 100 anos.
"No dizer de Renan, Petrarca foi o primeiro homem moderno, timoneiro do humanismo e do individualismo renascentista, se é verdade que a renascença é um estado de alma." (7) "Ele fora um incomparável investigador de livros antigos e dera-se ao trabalho de encorajar o conhecimento do grego, com a finalidade de fazer ouvir a voz de autores há séculos emudecidos, como Homero e Platão." (8) Ora Petrarca viveu de 1304 a 1374, e o seu amigo Bocace, que partilhou a sua paixão pelas humanísticas, viveu de 1313 a 1375. Quanto aos derradeiros afirmadores do movimento eles viverão ainda no século XVII. Giardano Bruno, Vanini, Francis Bacon, Elizabetiano, profeta do conhecimento moderno. Kepler, que é também o homem do limite, astrónomo e astrólogo, desaparece em 1630. Campanela, que é o derradeiro pensador renascentista italiano, a sua «Metafísica» apareceu a público em 1638. Assim, o que verificamos é que a inspiração renascentista anima três séculos de história da consciência Ocidental.
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Notas:
(4); (5) - Abbagnano, N., Visalbergh, A., «A História da Pedagogia», Livros Horizonte, Lx, 1981, pp.257,258.
(6) Cordon, Juan M. N., Martinez, Tomás, «História da Filosofia», II Vol., Ed. 70, Lx., 1983.
(7)- G. Gusdorf, «Les Origines des Sciences Humaines»(tradução minha de excertos da terceira parte, Cap. I)
(8)Garin, Eugénio, «O Renascimento», col. Universitas, Telos, Porto, 1964.
(continua)
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