Resolveram então, os homens fidalgos que em companhia de Manuel de Sousa se encontravam, que deviam ficar naquela praia até que os doentes ficassem melhor, pois ali tinham água. Permaneceram doze dias sem ter contacto com nenhum negro da região. No entanto, haviam visto alguns a observá-los por detrás de um outeiro. Quando procuraram, encontraram casas de palha despovoadas, com setas espetadas nas paredes, o que significava guerra. Certo é que haviam dali fugido.
Porém, passados três dias, apareceram sete ou oito cafres com uma vaca, que queriam trocar por ferro, o que, após difíceis entabulações, lá compreendeu o capitão. Mostrou-lhes pregos, e era o que eles queriam. E, apesar de precisar da carne para a mulher e os filhos, o capitão deu-lhes os pregos e não lhes ficou com a vaca.
Levantava-se de noite e fazia vigia, tal era a sua preocupação e cuidado. Quando os doentes estavam melhor, resolveu o capitão dar todas as graças ao Senhor, por estarem vivos e não terem perecido no mar ou nos destroços do galeão. Se os quizera vivos, logo os havia de ajudar a encontrar o melhor caminho. Todos juntos iriam procurar o rio descoberto por Lourenço Marques. Ao longo da praia, o caminho teria cento e oitenta léguas, por costa; mas eles andaram mais de trezentas, porque se desviaram do percurso devido aos rios e elevações que encontravam no caminho. Logo estavam perto do mar; mas, com todas estas andanças levavam cinco meses e meio de viagem.
Era o dia 7 de Julho de 1552. Manuel de Sousa caminhava com a sua mulher e filhos, oitenta portugueses e cem escravos. André Vaz, o piloto, ia caminhando na sua vanguarda com uma bandeira e um crucifixo erguido. Atrás, o mestre do galeão e as gentes do mar, com as escravas. Na rectaguarda caminhava Pantaleão de Sá, com o resto dos portugueses e escravos, que seriam umas duzentas pessoas. Ao todo seriam quinhentas, das quais cento e oitenta portugueses. Caminharam um mês, com muita fome e sede, pois só haviam conseguido guardar o arroz que escapara do galeão, e era isso que comiam, junto com frutos do mato, pois outros mantimentos não encontraram nesta terra, que se mostrava inóspita e árida, como não julgaram possível.
Num mês percorreram cem léguas, e já lhes tinham morrido dez ou doze pessoas, e ainda não tinham andado mais que trinta léguas de costa. Alguns ficavam para trás e ia-se-lhes perdendo o rasto. Os primeiros que ficaram fizeram sofrer muito o capitão, que ia perdendo o juízo, pois lá ficava um seu filho bastardo de onze anos. Prometeu Manuel de Sousa quinhentos cruzados a dois homens para que os fossem buscar, mas não quizeram aceitar, por ser tão perto da noite,porque os tigres e os leões comiam os homens perdidos.
Por esta altura, já tinham tido algumas lutas com negros, que lhes apareciam no caminho, e havia morrido Diogo Mendes Dourado que lutou até à morte, como um cavaleiro. Os trabalhos eram tais, que cada dia morria mais gente. Já não podiam caminhar, caíam de fadiga. Familiares e amigos tinham que continuar a caminhada, mesmo sofrendo grande dor. Dois meses e meio já tinham andado e surgiam conflitos, por causa da água. Pagavam para beber, para a ir buscar, e, mesmo assim, passavam sede e fome. Por peixe ou animal do monte davam muito dinheiro.
Três meses a caminhar e sem encontrar o rio que buscavam. Agora já só comiam frutas e ossos torrados. Quando iam junto à praia, comiam marisco ou peixe que o mar dava.
Encontraram, então, um velho negro "senhor de duas aldeias," que lhes pediu que ficassem junto de si e os trataria o melhor que pudesse. Os cafres pouco cultivavam, e comiam carne bravia de caça. Este rei precisava de ajuda para fazer guerra a outro seu rival, o que os portugueses não puderam negar, pois haviam sido muito bem recebidos. Durante cinco ou seis dias, vinte portugueses, com Pantaleão de Sá, lutaram ao lado de quinhentos cafres contra esse homem, e trouxeram-lhe todo o gado, como despojo de guerra.
Resolveram partir em busca do rio, sem saberem que estavam num dos seus afluentes, que são três, e aquele era um deles. Precisavam de pequenos barcos e conseguiram-nos. Passaram os primeiros trinta homens e só depois embarcou o capitão, a mulher, os filhos e os restantes grupos.
(continua)
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