Para Sócrates esses anéis que formavam uma cadeia entre si tinham uma hierarquia. Explica então a Íon que o primeiro anel é o poeta, o segundo o rapsodo (actor ou cantor) e o terceiro seria o espectador (ou o leitor)(58).
Ao longo dos tempos o valor do poeta foi apreciado.
Alexandre em campanha fazia-se acompanhar de poetas e escritores. É o próprio Cícero que refere na defesa de Archia que "ao parar no Sigeu, junto ao túmulo de Aquiles, ele clamou: Ó afortunado jovem, que encontraste um Homero pregoeiro do teu valor! E justamente (continua Cícero). "Se não tivesse existido essa magnífica «Ilíada», o mesmo túmulo que cobrira o seu corpo, lhe teria encoberto o nome!"(59)
Com estas referências queria Cícero fazer ver aos juízes que este "poder" dos poetas de conceder a imortalidade não podia ali ser ignorado. "Não devem os juízes de toga enjeitar a veneração das Musas e a defesa dos poetas."(60)
Defesa e veneração que encontaremos também na «Eneida» de Virgílio, em louvor de Augusto e para glória do povo romano.
Também Camões imortalizou pelo seu canto o nosso povo, através daqueles que escolheu para nele figurarem, ofertando-o, qual mensageiro divino, ao seu Rei:
"Quão doce é o louvor e a justa glória
Dos próprios feitos, quando são soados!
Qualquer Nobre trabalha que em memória
Vença ou iguale os grandes já passados.
in: «Os Lusíadas» Canto V, 92,1-4)
(...)
Não tinha em tanto os feitos gloriosos
De Aquiles, Alexandre, na peleja,
Quanto de quem o canta os numerosos
Versos: isso só louva, isso deseja.
(Canto V, 93, 1-4)
(...)
Às Musas agardeça o nosso Gama
O muito amor da pátria, que as obriga
A dar aos seus, na Lira, nome e fama
De toda a ilustre e bélica fadiga;
(Canto V, 99, 1-4)
E imortalizou também Cícero que encontramos explicitamente nos seus versos, assim como "ecos" das suas obras. Maria Helena Rocha Pereira refere que na última estância de «Os Lusíadas», encontamos - Pro-Archia - obra "que ficou conhecida como a magna charta do humanismo."(61)
"De sorte que Alexandro em vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter enveja."
(Canto X, 156, 7-8)
Do acima exposto, verificamos que na Antiguidade Clássica os aedos e os rapsodos, quando poetas, eram considerados como seres distintos. A opinião geral era que se nascia poeta. Zeus lhes concedia esse dom. Normalmente os aedos e os rapsodos eram também poetas e não só recitadores dos poemas homéricos ou de outros. Também temos de constatar a realidade daquele tempo. A cultura era transmitida oralmente, e os aedos transmitiam-na de geração em geração. Muito poucos dominariam a escrita, e era hábito, mesmo quando já existia um maior número de letrados, a leitura em voz alta. Daí que o rapsodo no Íon de Platão, seja considerado como o segundo anel dessa corrente que o mesmo íman transporta. O poeta sendo o primeiro podia, por isso, ser também o segundo elo, quando ele próprio compunha e recitava os seus versos. Os espectadores ou ouvintes eram o elo final, aos quais se destinava todo o engenho do poeta, aedo ou rapsodo. Só este conjunto formava o harmonioso. Tal como se fosse "uma partitura musical" que só executada dá prazer pleno.
Assim, "no poeta, o génio era virtude por excelência."(62)
(continua)
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