Notai, ao lerdes, que na pena deste poeta já se assinala o "misturar do útil ao agradável" que "deleita e ao mesmo tempo ensina o leitor,"(44) dizendo-lhe: a poesia tem a capacidade de louvar com o seu canto as cidades e de proporcionar prazer, e ensina que o valor dos homens reside na sua heroicidade ou no seu engenho. Aqui verificamos que a poesia, aliados que estejam "o engenho e o trabalho,"(Horácio) são capazes de se tornarem educadores.
Teria sido Hesíodo que inaugorou "com os seus poemas (...) o caminho do didactismo."(45) Foi o primeiro a atribuir nomes às Musas, e, ao fazê-lo, fornece-nos, (...) uma poética em forma teológica. (...) Na verdade, Clio significa a glória que os versos concedem; Euterpe, o deleite de escutar o canto; Tália, os banquetes onde ele se entoava; Melpómene, a melodia; Terpsícore, a dança; Erato, o desejo e o prazer de ouvir; Polímnia, a abundância de sons; Urânia, o seu carácter celestial, divino; Calíope, a beleza da voz."(46)
Novidade ou originalidade, como lhe queiramos chamar, de facto é surpreendente como Hesíodo dando nome próprio às Musas, consegue conciliar tudo o que em si mesmo deve constituir uma "poética educativa". Na escola, o canto, a dança, a música, aliados ao prazer de aprender a ouvir, deveriam constituir a base da educação.
Verificamos que os antigos tinham a noção da importância da poesia: "a consciência (...) do valor pragmático da sua arte, agudíssima em Píndaro, não é um facto isolado na Grécia arcaica. (...) Na elegia 2 de Xenófanes (...) surge-nos esta afirmação surpreendente: (...) melhor do que a força de homens e corcéis é a nossa arte. Também (...) a Safo cabe a mais antiga reivindicação de que a poesia confere uma espécie de imortalidade, não só àqueles que celebra (...) mas também aos seus cultores. (...) O lírico Alcman exteriorizou a consciência da criação poética neste fragmento:
Estes versos e esta música
Alcman os inventou,
Tendo entendido das perdizes as falas canoras. (47)
Como refere a autora, Maria Helena da Rocha Pereira, de cujos estudos me auxiliei para este trabalho, verificam-se nestes versos "a indossulubilidade da música e da poesia. (...) Era ao som da música que as crianças atenienses se imbuiam dos ensinamentos dos grandes autores, como se lê no Protágoras de Platão, em passo referente à educação antiga: (326 a-b)"Além disso, depois de saberem tocar, aprendem as obras dos grandes poetas líricos que executam na cítara. Assim obrigam os ritmos a penetrar na alma das crianças, de molde a civilizá-las, e, tornando-as mais sensíveis ao ritmo e à harmonia, adestram-nas na palavra e na acção. Na verdade, toda a vida humana carece de ritmo e de harmonia." (48)
Mas o papel da poesia como educadora surge ainda em protágoras(338,339a) num diálogo platónico (séc. V-IV a.C.):
"Em meu entender, Sócrates - disse ele - a parte primacial da educação de um homem é ser entendido em poesia. E isso consiste em ser capaz de comprender as palavras dos poetas, o que é bem feito e o que não é, saber distinguir e dar as suas razões a quem o interrogar."(49)
(continua)
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