sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Qual o contributo do homem português na tarefa dos descobrimentos?

Para mim esta é, sem dúvida, a frase que melhor define a grandeza das descobertas porque, efectivamente, talvez nada tenha existido no mundo superior à acção desenvolvida pela pregação dos apóstolos acompanhados do Mestre, ou já sem Ele.
O Homem tomou consciência de que se incluía como cidadão de uma orbe imensa, sem limites no espaço, e com recursos praticamente inesgotáveis -uma nova ideia para a posição do homem no cosmos, - tornou-se quase um 'Deus na Terra'-, a verificação através da experiência centrou o homem no Universo!
E se o homem era então o centro do universo, Portugal também através dos seus feitos, se colocou em primeiro lugar na Europa do Renascimento. A propósito deste assunto, Antero de Quental, no seu discurso àcerca das Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, dizia: "Em tudo acompanhámos a Europa a par do movimento geral. Numa coisa, porém, a excedemos, tornando-nos iniciadores nos estudos geográficos e nas grandes navegações. As descobertas, que coroaram tão brilhantemente o fim do século XV, não se fizeram ao acaso. Precedeu-as um trabalho intelectual, tão científico quanto a época o permitia, inaugurado pelo nosso Infante D. Henrique, nessa famosa escola de Sagres, de onde saíam homens como aquele heróico Bartolomeu Dias, cuja influência, directa ou indirectamente, produziu um Magalhães e um Colombo. (...) Viu-se de quanto era capaz a inteligência e a energia peninsular. (...) Contava-se para tudo com Portugal e Espanha. (...) No séc. XV, D. João I, árbito em várias questões internacionais, é geralmente considerado, em influência e capacidade, como um dos primeiros monarcas da Europa. Tudo isto nos preparou para desempenharmos, chegada a Renascença, um papel preponderante." (17)
Papel esse que os nossos historiadores contam com todos os faustos e desastres que as descobertas trouxeram, uma vez que os naufrágios eram muitos e foram motivo de criação literária. "Tão grande foi a voga desses escritos e tantos foram eles, que chegaram a constituir uma espécie de género literário. (...) 0 espectáculo das naus destroçadas pela tormenta, a confusão e o alarido das gentes, o engenho dos homens buscando meios de salvação," (18) criava nos leitores uma imensa curiosidade; pode dizer-se que era uma literatura de grande divulgação, vindo a ser compilada em 1735 e 1736 em dois volumes, por Bernardo Gomes de Brito, constituindo a «História Trágico-Marítima». Porém, "aquilo a que chamamos propriamente a 'historiografia quinhentista' aparece na segunda metade do século XVI: os seus mais altos representantes são Gaspar Correia, Lopes de Castanheda, João de Barros, Damião de Góis e Diogo Couto que registam quase exclusivamente a expansão ultramarina. (...) Uma tamanha expansão dum tão pequeno povo tinha criado o ciúme, o espanto e a admiração da Europa. Letrados e humanistas viviam então enlevados nas façanhas guerreiras dum Alexandre, dum César, da antiga Grécia e Roma. Nisto, porém, eram obrigados a reconhecer que a glória do presente, da actualidade portuguesa, obscurecia largamente a do passado. É em João de Barros que se nota, mais do que em nenhum outro historiador, este sentido épico da navegação e da conquista, - "Os Portugueses percorreram seis mil léguas de mar desabitado e cheio de tormentas." (19)
Ainda outro historiador, mais recente - Oliveira Martins - na sua «História de Portugal», conta todo o esplendor que se vivia então no reinado do rei D. Manuel: "O rei queria mostrar ao mundo o que valia e o que podia, ostentando a sua riqueza em Roma. (...) A embaixada, confiada a Tristão da Cunha, partiu de Lisboa em Janeiro de 1514, e foi recebida em Roma em Março. Era uma procissão magnífica, e o fausto espectacoloso do rei português conseguiu deslumbrar essa corte de Leão X, onde se reuniam os primores da civilização da Europa.
Partiram, primeiro da porta del Populo, trezentos cavalos guiados à rédea por outros tantos azeméis, vestidos de seda, e os cavalos cobertos por mantos de brocado com franjas de ouro. (...) Eram mais de cinquenta os fidalgos; chapéus de plumas bordados de pérolas e aljôfar, grossos colares e cadeias de ouro cravejados de pedras preciosas, armas tauxiadas com embutidos e lavores, sedas, veludos, rendas, anéis, montando cavalos de raça, ornados de fitas e jaezes de preço. (...) Um elefante recamado de xaréis preciosos levava, na sua torre, o cofre onde ia o pontifical oferecido por D. Manuel ao Papa. (...) Depois do elefante, um cavalo da Pérsia, montado por um caçador de Ormuz, ia deitada na anca uma onça domesticada. (...) Havia séculos, desde o antigo Império, que a Itália não vira um elefante, e a novidade espantosa, correndo por toda a península, trouxera gente de muito longe."
Para além de todo este deslumbramento e riqueza manifesta, a renancença portugesa deu um dos maiores contributos à Humanidade, já que descreveu os povos com que entrou em contacto pela primeira vez. A carta de Pêro Vaz de Caminha sobre a descoberta do Brasil, para além de manifestar os propósitos de catequizar é "um instrumento de conhecimento que alarga a própria concepção do mundo. Nela se faz a exaltação da terra recém-descoberta e do Homem novo e diverso." (20)
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Notas:

(17) - Quental, Antero de, «Prosas Sócio-Políticas», col. Pensamento Português, I.N.C.M., Lx, 1982. Pp.261.

(18) - Prof. Rodrigues Lapa, «Quadros Da História Trágico-Marítima», Textos Literários, 5ª ed., 1972, Lx, Seara Nova.

(19)- Prof. Rodrigues Lapa, «Historiadores Quinhentistas», Textos Literários, 3ª ed., 1972, Lx., Seara Nova.

(20)- Simões, Manuel, «A Literatura de Viagens nos Séculos XVI e XVII», Textos Literários, Editorial Comunicação, 1ª ed., Lx., 1985.

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