O POETA
A Grécia antiga evidenciou os seus poetas e deu-lhes o merecido "enquadramento social". Isso é patente na literatura homérica em que vemos o aedo beneficiar de um estatuto especial, quase divino.
Na «Odisseia» podemos constatar que existiam, quer na côrte de Alcinco, quer na de Ulisses, quer na de Agamemnon, aedos nos quais os soberanos confiavam e aplaudiam. Eles animavam os banquetes cantando "gestas heróicas ou mitológicas, fazendo-se acompanhar à lira melodicamente." Esta poesia e música aliadas davam "um conceito de felicidade," visível na "fala de Ulisses ao rei dos Feaces: (...)'que bom é escutar um aedo com valor deste!/a sua voz é semelhante à dos deuses!/nem eu sei de vida mais agradável..."(52)
Chegado à sua côrte, Ulisses presenteia Demódoco durante a festa com carne,"para o honrar especialmente". Esta honra era também atestada pela confiança neles depositada. Agamémnon confiou a sua mulher a um aedo antes de partir para Troia (canto III), e o próprio aedo de Ulisses, Fémeo, era como que conselheiro de Penélope. Quando este pede clemência a Ulisses, atribui-se a si mesmo origem divina, dizendo:
"Aprendi tudo por mim. Um Deus me pôs no espírito toda a espécie de melodias. Eu saberei cantar para ti, como se fosses um deus!...(53)
O próprio Telémico intervém em seu favor para que Ulisses lhes salve a vida. E logo no canto I (Odisseia) quando Fémio cantava os acontecimentos funestos e Penélope chorava, telémico diz-lhe:
"Minha mãe, porque censurar o aedo fiel, por nos deleitar conforme o espírito o impele? De resto, não são culpados os aedos, mas Zeus, que a cada um dos homens que buscam o seu sustento deu a parte que entendeu. Não lhe levemos a mal que cante dos Dânaos a triste sorte./ os homens apreciam, mais que tudo o canto/ que tiver mais novidade aos seus ouvidos."(54)
Zeus é que estava na origem do poder da criação e originalidade dos aedos. Esta era uma arte espiritual, que tornava os homens e os seus feitos imortais. "Píndaro via a posição dos poetas no mundo (...) como necessários seres divinos, para cantar tanta beleza." (55)
Arquíloco (séc.VII a.C.) escrevia: "Eu sou o servidor do senhor dos combates e conhecedor dos amáveis dons das Musas."(56)
Também Simónides (séc. VI-V a.C) n'O Canto de Orfeu lhe atribui dons divinos:
"Inúmeras, as aves voavam/sobre a sua cabeça/e os peixes, em pé, saltavam das águas de anil do mar,/ ao som do seu belo canto." (57)
Mesmo em Platão, encontramos este dom claro no seu diálogo «Ion». Põe-se a questão de este só se sentir inspirado quando recita Homero. Isto seria arte ou dom divino? Responde Sócrates ao rapsodo: "Esse teu dom de bem falar não é arte. É um poder divino, como na pedra que Eurípides chamou magnete (...) que não só atrai directamente os anéis de ferro, mas transmite o próprio poder aos mesmos anéis. (...) Em todos, porém, o poder deriva apenas da pedra. Assim também a Musa: só a Musa forma os inspirados. Através deles se constitui uma cadeia de outros seres invadidos pela divina inspiração." (533-d/e)
Para Sócrates esses anéis que formavam uma cadeia entre si tinham uma hierarquia. Explica então a Íon que o primeiro anel é o poeta, o segundo o rapsodo (actor ou cantor) e o terceiro seria o espectador (ou o leitor). (58) Ao longo dos tempos o valor destes foi apreciado.
(continua)
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