"Arruinado o Ímperio Romano e finalizada a Idade Antiga, o Ocidente perdeu todo o contacto com a maioria das obras filosóficas gregas. Esta perda de contacto e a consolidação do platonismo cristão (graças, sobretudo, à monumental obra de Santo Agostinho) marcam a evolução da História das Ideias na Europa, durante os oito séculos seguintes. (...) A pregação de Maomé e a consequente expansão vertiginosa da conquista árabe,"(1) leva a que estes tomem conhecimento dos textos dos filósofos gregos, e que se façam as traduções para o árabe das obras de Aristóteles. Será, pois, através dos árabes que se dará a penetração no Ocidente da filosofia grega, originando durante o século XII uma intensa actividade de tradução. Porém, estes textos irão ser analisados segundo uma visão profundamente teológica e inibirão durante longo tempo as consciências dos intelectuais de então.
"As próprias noções geográficas de Ptolomeu, divulgadas desde o século XIII, pelo «Tratado da Esfera de Sacrobosco», eram apenas aceites por uma pequena parte dos homens cultos, uma vez que alguns sábios, como por exemplo Santo Agostinho, cuja autoridade vigorou até aos fins do século XIV, impugnavam radicalmente essas noções geográficas, principalmente a existência de antípodas, ou a esfericidade da terra."(2) Se os árabes tinham "alargado e objectivado o quadro das notícias sobre a África até ao Sudão Central e Ocidental, e ainda aos sultanásicos da costa oriental até Sofala e na Ásia, por toda a orla marítima meridional até ao Arquipélago Malaio, não é possível que essa cultura geográfica tivesse aproveitado muito aos homens cultos cristãos, pois, na maior parte, estes conhecimentos estavam confinados aos meios muçulmanos. (...) conceitos como o Oceano Índico fechado como mar interior, a prolongação da África para leste unindo-a à China, afirmações sobre a existência de uma zona inabitável por causa do calor, eram recebidas pela escolástica medieval como verdades indiscutíveis, e detiveram por largo tempo o pensamento de uma expansão geográfica", e, na falta dessa expanção, A Idade Média "não conhecia a terra que habitava, quando muito, os seus conhecimentos estendiam-se a um quarto do planeta e dos seus habitantes. Estavam por este motivo muito condicionados; contudo, terá sido um período de trevas?
Penso que não, apesar da matéria do conhecimento se ter encaminhado mais para as questões que relacionavam a Razão e a Fé como confirmação das teses teológicas.
Surgirão, no entanto, filósofos que, com as suas opiniões diversas e críticas, preparam esse período renascentista que se iniciará pouco a pouco, como geralmente acontece com as grandes transformações que se dão na história da humanidade.
Um desses filósofos é, sem dúvida, Duns Escoto, que constrói o seu sistema de forma diferente de São Tomás, "a quem critica e contradiz muitas vezes", assim como critica as grandes sínteses vigentes de Santo Agostinho e a aristotélica. Ora, nesta atitude crítica manifesta, é pressuposto um progresso no campo das ideias. Onde Tomás de Aquino vê "vontade como potência natural", Escoto diz que "onde não há liberdade, não há vontade em sentido estrito; a vontade caracteriza-se por ser livre". Porém, mesmo criticando os sistemas anteriores, Escoto também constrói um sistema.
O que irá tornar-se um "crítico demolidor de todos os sistemas filosóficos anteriores" será Guilherme de Ockham, que chefiará o criticismo constituindo "uma nova maneira de praticar a filosofia (...) depois de séculos de Agostianismo, entra-se pela primeira vez em contacto com um sistema que nada devia ao cristianismo nem à Bíblia, um sistema que não dependia de forma alguma da revelação judeo-cristã, mas que aparece como resultado da Razão, funcionando por si mesma, à margem da Fé."
Este exemplo é, penso, um dos indícios mais evidentes de que algo estava a mudar durante esta metade do século XIV. Ockham expôs o seu pensamento que, aliás, recebe de parte da igreja uma certa desconfiança, o que irá originar "o florescimento da Mística, como alternativa ao racionalismo filosófico". Uma vez que este filósofo, pretende "sublinhar a Omnipotência e a Liberdade divinas", defende o "voluntarismo teológico" e, para ele, "nenhum dos mandamentos é de lei natural, (...) as normas morais não são naturais, nem imutáveis; são convencionais," mesmo que divinas. O princípio geral de que os fenómenos possuem causas (...) e de que só a observação nos permite saber qual a causa concreta de cada fenómeno", pressupões que "esta demonstração da causalidade torna impossível a demontração da existência de Deus: podemos estar seguros de que há uma causa primeira, da qual provém o Universo, mas, ao carecer da observação necessária, não podemos concluir definitivamente que tal causa seja o Deus criador objecto da fé cristã." (3)
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Notas:
(1) e (3) Cordon, Juan M. N. & Martinez, Tomás C., «História da Filosofia» I Vol., Ed. 70, 1983
(2) Notas tiradas durante o ano na respectiva disciplina
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