sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Naufrágio do Galeão S. João na Costa do Natal (Continuação)

Era o dia 8 de Junho, e navegavam contra a tormenta, e os tormentos, desde há meses. Parecia-lhes já um milagre a nau ainda se encontrar a navegar. Como se visse tão perto de terra, Manuel de Sousa ouviu "o parecer dos seus oficiais" e resolveram aproximar-se até "dez braças", para encontrarem o fundo e então lançarem o batel, para se fazerem à praia. Alguns homens iriam observá-la, para ver onde poderiam desembarcar, com algum mantimento e armas. O resto da carga ficaria no galeão, pois poderiam os "cafres" vir a roubá-los.
Como fosse uma zona inóspita para um galeão aportar, resolveram ir para uma outra praia, entre penedias, que a manchua lhes havia indicado. Largaram a âncora e já só eram sete braças. Mal chegaram a terra, aí lançaram outra âncora para segurar bem o galeão daquele vento.Deram então "dois tiros de besta". O capitão ordenou ao mestre e ao piloto que a primeira coisa a fazer era pô-lo, a ele, mulher e filhos, e mais vinte homens, em terra, pois via perigar o galeão. Então, logo após isso, iriam retirar alguma roupa de cambraia, à qual juntariam outras mercadorias para trocar por mantimentos. Isto porque ali teriam que fazer acampamento, para então mandar recado a Sofala.
Mas parecia que tudo se mostrava adverso, e a tempestade não tardaria a surgir. Das três vezes que a manchua foi a terra transportar as pessoas, morreram alguns homens, porque o mar andava então muito bravo. Os que ficaram no galeão, passados que eram três dias, como vissem que só a âncora da terra os segurava, e a do mar se lhes havia partido, e receando ir ao fundo com a nau, resolveram - o mestre e o piloto - embarcar ao amanhecer para terra, e com eles levaram quem quizesse ir. O mestre era um homem já de idade e a esperança já lhe faltava, fraquejava no espírito a coragem. Foram num batel, que se fez todo em pedaços na praia, e dir-se-ia que foi por milagre que todos se salvassem.
O frio era grande, e o capitão havia um dia que ajudava a todos, conforme podia, aproximando-os do fogo, que tinha feito. Na nau haviam ficado mais de quinhentas pessoas. Duzentos portugueses, e o mais eram escravos. Duarte Fernandes era contra-mestre e guardião da nau. Como sentissem nela muitas pancadas, resolveram alargar a amarra da âncora, para a não cortar e tentaram chegar a terra. Mas não aconteceu assim, e a nau assentou e quebrou ao meio. No espaço de uma hora estava partida em quatro, e o mar era coberto de caixas e de toda a mercadoria. Tão grande era a tormenta, que a gente do galeão se lançou ao mar e se agarrava às caixas e madeiras, que flutuavam, para tentar alcançar terra. Mais de quarenta portugueses e setenta escravos morreram logo, e os que se deitaram à água estavam feridos pelos pregos da madeira. Em quatro horas o galeão estava desfeito, e o mar dava à costa os seus destroços em grande fúria tempestuosa.
Dizem que o carregamento que se perdeu valia um conto de ouro, e que, desde o descobrimento da Índia, nenhum galeão tinha trazido bens tão ricos. Uma parte pertencia ao rei e outra ao capitão.

(continua)

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