"O esquema medievo (...) foi, assim, atingido nos próprios alicerces pelas revelações da Expansão. Não só a cultura apareceu mais nitidamente como simples produto histórico, mas apareceu também como um produto histórico de conteúdo variável no espaço e no tempo.
Uma primeira coisa se verificou com a expansão dos portugueses no mundo: a existência de civilizações 'sui generis', com esplendores e precipitados artísticos ou monumentais impressionantes, nas terras do Oriente. (...) verificou-se também, por outro lado, a falta de denominadores comuns entre as sociedades nativas da África austral, da América e da Oceania, algumas delas sem vislumbres de constituição política e de saber intelectual ou de religião superior, e a sociedade 'cristã', nas formas mais rudes do Norte de África e da Ásia.
O Estado e a cultura começaram a assumar, desde então, concretamente, nas inteligências, como criação do homem na história. E a noção de arquétipo divino começou também a ceder o terreno à noção de processo natural. (...) Para lá do princípio de unidade essencial do género humano, Os Descobrimentos estabeleceram também a doutrina de uma diversidade profundíssima de estruturas, costumes e crenças religiosas entre as sociedades do globo.
Toda uma epistomologia, com milénios de vida e uma autoridade indiscutível, caíu por terra, cedendo lugar a outra que situava o Ver e o Praticar onde antes se situava o Crer. (...) Os mares eram, de facto, inteiramente navegáveis e de condição quase idêntica por toda a parte; o anti-mundo também era mundo, e animado, e habitado, e as suas dimensões eram incomparavelmente maiores do que poderia imaginar-se; os habitantes da terra recém descoberta não se distinguiam, fundamentalmente, dos da terra já antes conhecida; os antípodas, afinal, sempre existiam, e a zona tórrida era uma região com vida vegetal, animal e humana, e que, além do nosso orbe, havia outro orbe terreno, para lá dos mares, maravilhoso, real e humano, como este em que milenariamente nos encontrávamos." (15)
Estas longas citações do livro do Professor Doutor J.S. da Silva Dias, dão-nos conta de como foi profundo o contributo dos descobrimentos portugueses.
A ressonância das viagens marítimas foi enorme nas consciências culturais da Europa. Desde que Diogo Cão fez a sua viagem ao golfo da Guiné, em 1484/86, verificou-se pela primeira vez a existência de um mundo novo, e deu-se conta do erro dos antigos e modernos geógrafos. Os próprios homens que participavam no feito das descobertas chegavam a duvidar do que os seus olhos viam! "Em 1534/38 o autor da «História Veneziana» comentava que as navegações Luso-Espanholas eram 'o maior e o mais belo conhecimento que alguma idade jamais vira! Por seu lado, Francisco Quixardine chamou-lhes: 'o que de mais memorável de há muitos séculos para cá ocorreu no mundo'. Em 1590 um teórico político, João Boter, comentava: 'A acção verdadeiramente heróica e digna de ser preterida às proesas mais célebres e mais famosas dos antigos (...) da pregação dos apóstolos para cá, nada foi tão grande nem tão admirável.'" (16)
___________________
Notas:
(15) - Silva Dias, J. S.,da, «Os Descobrimentos e a Problemática Cultural do Séc. XVI», Editorial Presença, 3ª ed., Lx, 1988, pp.170.
(16)- Notas das aulas de História das Ideias.
(continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário