terça-feira, 3 de abril de 2012

As Sempre Vivas

Em canteiros floridos, tão bem delineados, e com uma profusão de cores que maravilhavam os olhos e nos faziam abrir a boca de espanto dizendo: que lindo! que mar imenso de flores! Eram umas pequeninas, lilazes clarinhas, outras mais em tom de roxo. Mas também as havia quase brancas e em amarelinho. As maiores imperavam no centro do jardim. Essas eram em tom de rosa e branco, amarelas e douradas como o mel, azuis claras e mais escuras, com o centro em amarelinho. Dignas de um quadro de Van Gogh. Não seriam os seus malmequeres, mas possuíam igualmente essas tonalidades vivas. Se pareciam de papel, ou de palha de milho colorida, no seu lento esvoaçar, em que as cores se misturavam em delírio, logo ao tocá-las a essência nos dizia que não. Eram autênticas. Elas brotavam da terra escura e bem cuidada. As suas altas hastes eram verdes, de um verde vivo , e as suas pétalas eram, curiosamente, prolongamentos desse revestimento dos seus esguios pés! Convidavam à alegria de viver, pareciam dizer-me: "Sê feliz, sê feliz!" A vida é assim, este mar de vários tons mantém-na florida. Vive para sempre com As Sempre Vivas! Não deixes que sequem na tua alma! Mantém-nos através de ventos e de tempestades assim, tal como nos viste pela primeira vez, de caule verde, firmes à negra terra!
Esta parecia ser a sua mensagem para mim. Sê firme, ligada à terra; e mesmo quando ventos e tempestades emprestarem vários tons ao mar da vida, sê sempre a mesma de alva alma, povoada de coloridas flores, misturadas aos sons das brisas do amanhecer, ou do entardecer e serás, como nós sempre viva.
Assim eu conheci as sempre vivas num belo jardim que rodeava e emoldurava a frontaria do Grande Hotel da Huíla. Era efectivamente um grande Hotel, não como grande edifício, porque não o era. Tinha umas linhas sóbrias de velha mansão, mais longo que alto, mas de porte soberbo, que impunha respeito, pela sua magnitude, aos meus frágeis anos; mas, que logo ali imaginavam as belas histórias que essa magnitude de hotel teria para contar! Eu vos conto que era lindo, cuidado, e que tinha um serviço de atendimento aos hóspedes que os fazia sentirem-se como soberanos estimados. Era por isso que merecia o nome de Grande Hotel. Recebia com perfeição e requinte.
Finalmente concretizava o sonho de escola de conhecer o sul, o deserto do Namibe, a baía de Moçâmedes, a Tundavala, a Senhora do Monte, em Sá da Bandeira, Benguela, Baía Farta, nesta longa e admirável viagem. Quando se iniciou, fazia uma manhã daquelas húmidas, próprias dos climas tropicais. De Luanda até ao Dondo, passava em Viana, pequena povoação que mais tarde se iria tornar numa promessa de cidade industrial, promessa porque não chegou a concretizar-se.
Desta vez viajava de automóvel e iria percorrer muitos milhares de quilómetros. A paisagem era para mim muito bela, porque eu aprendera a amar os imbondeiros, com os seus ramos despidos, virados ao céu. Por vezes estavam repletos dos seus frutos, umas compridas vagens castanhas, finos e compridos inicialmente e por fim felpudos e um pouco mais largos. Os imbondeiros resistem ao calor intenso, às chuvas torrenciais, povoam a paisagem através de séculos mudos e quedos. Alguns faziam lembrar imagens dispares. Homens curvados pelo peso da servidão, com obesos ventres, ou braços tísicos implorantes. Outros, imponentes figuras, direitos, corpo bem feito, esbeltos, belos, sempre orgulhosos da sua África. Sua. Com tambores pela tardinha, que ecoavam na distância, e ao som dos quais esses braços despidos se balouçavam brilhantes, ao nascer como ao pôr do sol. Assim eu escutava e sonhava, estava completa esta paisagem. 
No Dondo repousei e tomei o matabicho. Ali mesmo defronte do rio havia um hotel com uma harmoniosa esplanada. 
O rio Cuanza, bem delineado, largo, de águas azuis ou verdes escuras, ou mais claras, com margens repletas de verduras. Do outro lado, em frente ao hotel de vários andares, prédio moderno, havia muitas palhotas e terreiros bem varridos e limpos. Tectos de colmo em formatos cónicos. Uma paisagem paradisíaca, com canoas no rio e um céu azul, fresco, do amanhecer. Ao longe, a sirene da fábrica de tecidos do Dondo, lindos, como quadros risonhos, com vivas cores, patente de uma alegria que não seria perdida: a alegria deste povo.
Do Dondo parti rumo à Quibala, onde se escolhia como prosseguir viagem, se para a Cela, Nova Lisboa, no interior, ou se virava para a Gabela em direcção ao mar. Escolhi conhecer a orla marítima.   

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