Tinha trinta e três anos e vivera experiências em dez duplicadas. Eis que a liberdade o preocupava. Era a política que agora o extasiava. Ele suspirava também por um país diferente, no qual se pudesse ser gente de corpo inteiro. Eram ousados demais os seus versos, que vão agora para a esperança: Bonaparte. Já não é, ou é o nacionalista que em Goa cantava contra os infractores? Ou é porque quer bem ao seu país, e sofre por vê-lo na mediania, na mediocridade naufragar, vivendo num pântano como se fora um jardim florido? Oh tempo! Oh tempo! Ele era para Pina Manique um homem perigoso, que era preciso eliminar.
Vivia então em casa de um cadete seu amigo, André da Ponte do Quental (que viria a ser avô do poeta Antero de Quental), um açoreano da Ilha Terceira, que tinha ideias liberais, e muito apreciava os versos de Bocage. Quando o poeta se sabe perseguido, refugia-se na corveta Aviso, que partia para o Brasil. Mas quem terá sido avisado foi o intendente da polícia, que logo o mandou buscar ao navio, não o deixando partir. Mandou-o prender. Eram ousados demais os seus versos. Chega o dia. Os sinos tocavam em pranto, Bocage vivia agora no Limoeiro. Em 10 de Agosto de 1797 o poeta escreveu:
"Do funesto limoeiro
já toco os trinta degraus,
por onde sobem e descem
igualmente bons e maus. (...)
Fecham-me, fico assombrado
na medonha solidão,
e, sem cama a que me encoste,
descanso os membros no chão. (...)
Há quase quarenta e três dias
que choro neste degredo.
Hei-de ser muito calado,
costumaram-me ao segredo."
Foram oitenta e nove dias que aí permaneceu às ordens do intendente, passando depois para o tribunal do Santo Ofício. São cartas escritas a todos os seus amigos e conhecidos a pedir para que o tirem dali. Ao Marquês de Ponte de Lima diz que nada fez que mereça tal castigo.
A sua vida era agora feita de silêncio, de sombras e também de sons longínquos das varinas, dos homens e das crianças que passavam a caminho da sua lida. Era um traço que na parede fazia dia a dia. Como único amigo, o carcereiro. Escrevia. Ouvia o silêncio. Fazia-se a ele, como companheiro amigo. Não mais voltaria a ser o mesmo. Tinha agora a solidão sentida, conseguido obter, aquilo que os botequins o não haviam. Dedica-se a ler. Conseguem que seja admitido no mosteiro de S. Bento. Aí ficou registado no Dietário: no "ano de 1798, mês de Fevereiro, aos dezassete do presente mês, foi mandado para este mosteiro pelo tribunal do Santo Ofício o célebre poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage, bem conhecido nesta Côrte, pelas suas poesias, e não menos pela sua instrução.Tinha sido preso pela Intendência, e ele reclamara para o Santo Ofício, onde esteve até ser mandado para este mosteiro..." (6) Pouco mais de um mês ali esteve. Pina Manique consegue transferí-lo para o hospício de Nossa Senhora das Necessidades. Ali teve uma reclusão diferente. Havia uma biblioteca que podia consultar, e livros para estudar. Leu e traduziu episódios de Farsália, das Metamorfoses, da Jerusalém Libertada, da Henrídia e da Columbíada. Fez amizades com os frades de S. Filipe de Nery, que o estimavam e respeitavam. São o bálsamo para aquele corpo e alma doentes. Havia um frade muito inteligente, Frei J. Foios, que Bocage considerava seu grande amigo e com quem conversava e se confessava.
_______________________________
Nota:
(6) Domingues, Mário, Bocage, a sua vida e a sua época. pp.320.
Sem comentários:
Enviar um comentário