Naquele tempo "entre o finito e o infinito não havia proporção (...), o máximo absoluto e o mínimo absoluto coincidiam." Este era o pensar liberto de Nicolau de Cusa, que, na Douta Ignorância, queria precisar a ideia de unidade. "Tudo está em tudo", dizia. A liberdade definia o homem e prenunciava um mundo novo. Vivia-se então de forma muito diversa. Os horizontes tornavam-se amplos, e quanto mais eles se alargavam, mais o homem sentia a necessidade de um retorno às suas antigas origens históricas, àquele tempo em que realizara a melhor forma de si próprio.
Voltam-se para os clássicos. Vêem-nos agora a uma nova luz. Platão, Aristóteles, Pitágoras e Arquimedes são revisitados. Dá-se um verdadeiro renascer. Já não são vistos através do "filtro" escolástico, mas sim na plenitude de uma leitura directa, que permitia o conhecimento das línguas grega e latina. Petrarca, no aspecto humanista, é um predecessor. Vive, após o conhecimento desse "manancial" antigo, o dilema do seu amor por Laura, espiritualizado, e o desejo das glorificações terrenas. Glorificações essas que atingiam, sem sombra de dúvida, toda a riqueza e esplendor.
A Itália havia sido berço de um comércio fluorescente com o Oriente. Veneza imperava no poder do ouro. Os banqueiros do mundo conhecido aí tinham as suas sucursais. Os Médicis tornam-se mecenas de artistas. Outros o fazem. A cultura refloresce, vive igualmente um período de ouro.
Essa vivência vai tornar-se plena quando ao saber adquirido nos clássicos se alia o saber de experiência feito. Eram as descobertas.
Portugal brilhava, então, como estrela. Daqui partiram as armadas que permitiram mais facilmente o acesso às riquezas do Oriente. O ouro de Veneza, o tráfego dos seus portos transferia-se para Lisboa. No tempo de D. João II, Lisboa era como que o "centro do universo". D. Manuel I irá prosseguir o empreendimento.
O luxo era de forma a originar pragmáticas proibindo as sedas e os bordados. Imperavam os sentidos! Os olhos viam o nunca visto. Eram "janelas" que ousavam ultrapassar o horizonte dos mares. O olfacto sentia a maresia, o adocicado cheiro das especiarias, o perfume do sândalo. A boca era a "porta" dos sabores, proibidos ou não. A noz moscada, a pimenta, ao sal eram aliadas. Prazer dos prazeres, o provar dos frutos até aí desconhecidos! Era o Zaire, S. Tomé, a América de Cristóvão Colombo, a Índia de Vasco da Gama e de Afonso de Albuquerque. Os ouvidos escutavam outros sons, bem diversos dos europeus. Melodias de vozes diversas ecoavam e apaixonavam. As mãos tacteavam entre breu e luz resplandecente. As palavras não chegavam para descrever aquilo que os sentidos palpavam, num deslumbramento total! Era necessário fazer crescer esse corpus. A Língua. A nossa língua estava dia a dia a enriquecer também com essas experiências. Descobria-se. Era o Mundo Novo. Portugal negociava a partilha dos mares.
Tudo isso ficava escrito e ia à tipografia para ficar impresso. Era o ano de 1494. Fazia seis anos que o primeiro livro se imprimira em Lisboa.
Todos estes feitos heróicos pediam uma epopeia. Não baseada em mitologia, em lenda, como a Ilíada de Homero, ou a Eneida de Virgílio, mas numa experiência vivida, essa sim, uma autêntica Epopeia. À Grécia, a Roma irá juntar-se Portugal. Homero, Virgílio e Camões.
Isto prediz já, no seu prefácio ao Cancioneiro Geral, Garcia de Resende, quando realça o facto de a grande gesta dos portugueses se encontrar sem divulgação. Já era "preocupação dos escritores do tempo o surgimento de uma epopeia que eternizasse os feitos dos portugueses". A esse feito antecede-se a recolha da poesia portuguesa dos séculos XIV e XV.
Nos séculos XII e XIII houvera um grande desenvolvimento da lírica. Reis e príncipes exercitavam-se nessas cantigas de amigo, de amor, ou de escárnio e maldizer, aos quais se juntavam os trovadores, que cantavam, e as jograleiras, que dançavam. "Bailias" que reuniam jovens no adro das igrejas, nas peregrinações a Santiago de Compostela, ou, simplesmente, na fonte. Era a poesia lírica galego-portuguesa.
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(continua)
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