Ansiava abraçar o seu pai. Mas a surpresa o aguardava. É recebido com frieza, e o seu pai não aceita as desculpas de uma deserção que em nada dignificava o bom nome de família. Encontrou o irmão, Gil Francisco, marido de Gertrudes, aquela que havia sido o seu primeiro amor. As duas irmãs, também já casadas, mantêm-se distantes e a sua tremenda saudade é abafada na solidão. O mundo ruía para esta frágil criatura. Sentiu-se mais só que nunca. Parecia que a esperança se evolara também da caixa de Pandora e, para si, estava eternamente perdida. Aquele amor pelo qual fora para a Índia e quase morria, e que nunca lhe saíra do pensamento, era agora pertença do seu irmão. Restava-lhe a sombra do seu pobre coração. Ficava-lhe a única paixão que nunca o iria trair, a sua única amiga: - a poesia. Comprovava-se que triste era o seu destino.
Parte desiludido para Lisboa. A família morria para si. Era um abalo sísmico, moral e físico; tudo fora demasiado cruel. Faltava-lhe a vontade própria de reagir ao cataclismo.
Refugia-se em Óbidos, nos meses de Primavera e Verão. Aí, junto de amigos, aos poucos se irá reabilitar. Era a "estação das flores", aquela que a todos rejuvenesce. Do mais profundo dos desesperos, vê a luz ao fundo do túnel - uma nova paixão. Dir-se-ia que não podia viver sem amar. Necessitava de amor para criar, para viver. Surge Ismene, Inália, Tirsea, Filis, Anália. Todas ama e todas perde. Ficam os versos. Anália será uma das suas maiores paixões, correspondidas, mas a negra morte fazia a sua ceifa. Era a tuberculose, uma praga maldita que lhe levará aquelas que também a ele queriam. Má sorte sua. Sôfrego no amor, ciúmes loucos o faziam sofrer. A eles se juntava o inferno da esfíngica caveira.Chora, quando chegado o Outono, Anália parte. Era drama a sua ânsia de buscar o amor. Toda a vida o procurou e este lhe fugiu. Quer por frágeis enredos, quer pela morte, sua inimiga. Faltou-lhe uma companheira compreensiva e fiel. A riqueza do seu temperamento fogoso e apaixonado nunca era apreciada. Por isso perdia o rumo e precisava de ter tido um braço condutor que à falta de vontade própria, lhe emprestasse o amor sincero, lhe mostrasse o calor da luz do sol.
Deixou-se arrastar pela libertinagem, dormia onde encontrava abrigo. Nos conventos, onde os frades amigos o recolhiam, nos albergues para mendigos; comia o caldo dos pobres. Durante o dia, no Parra ou no Nicola, improvisava e com os seus versos sempre arranjava quem lhe desse a subsistência. Vivia misturado com a devassidão, plebeus e fidalgos desejosos de se divertir. Tinha vinte e seis anos e era um autêntico boémio lisboeta. Noites de Bairro Alto, vielas tortuosas, meretrizes, versos satíricos, libidinosos, eróticos, ao desafio.
Apesar de não gostar de frades, fez-se amigo de um frade de talento, José Agostinho de Macedo. Acreditou nele com "ingénua confiança de autêntico e genial poeta." Mais tarde virá a ser seu inimigo e, um contra o outro, escreverão fel e vinagre. Só já perto da sua morte se irão reconciliar.
Em 1791 foi impresso o seu livro de Rimas, que lhe rende algum dinheiro e sucesso. A Nova Arcádia havia tempos que reunia gente apreciadora de poesia e de arte em geral. Eram às quarta-feiras as reuniões, conhecidas como as de "Lereno". Aí Bocage será Elmano Sadino e irá beneficiar do ambiente.Talvez as suas Rimas tivessem sido publicadas por influência dessa frequência. Ali tomavam chá, uma lauta ou frugal refeição. O conde de Pombeiro era o amável anfitrião que no seu palácio reunia estas pessoas educadas pelo gosto, e todos amantes de poesia. Contudo, depressa esse seu prazer se torna em infortúnio, pois surge um soneto anónimo que muito afecta o seu sentido de poeta. Seria J.A. Macedo? Não se sabe ao certo, mas Bocage inadvertidamente ataca a Academia, e a figura do seu presidente, o brasileiro Caldas Barbosa. Atingia a sua cor de mulato ofensivamente. O padre não lhe respondeu, mas até à morte nunca mais lhe falou. Tinham-se acabado as quarta-feiras de Lereno. Para ele e para os seus amigos. Já não ouvia ler Goethe ou Schiller, ou, mais vezes Voltaire, Diderot, Rousseau - os enciclopedistas.
Todo este ocorrido cai nas bocas do mundo. A fama, ligeira corre os botequins. Bocage torna-se numa voz satírica, apreciada do povo, mas nunca do povo, era poeta, era fidalgo.
Sem comentários:
Enviar um comentário