terça-feira, 17 de abril de 2012

O Retrato de Bocage

Era um ambiente de mediocridade no qual dificilmente o seu orgulho de poeta, viria a ser reconhecido. Espraia então a sua dor, escrevendo para a amada Gertrudes que no reino ficara, passeando junto ao Tejo em Sacavem.
Mas, para tormento seu, doença física e moral, Gertrudes depressa esquece as promessas, e parte para um novo amor. Ele receava e escrevia:
"Eu deliro, Gertrúria, eu desespero
No inferno de suspeitas e temores."
E estavam certas as suas suspeitas, Bocage recebeu a notícia que confirmava a perda da sua amada. A juntar a esse desgosto, a sua não adaptação às terras e gentes do Oriente. Enfurecia-se, então, e era aos goeses que satirizava e nada perdoava. Considerava-os propensos à "senhoria", vaidosos e repletos de defeitos. Seria, talvez, a sua inadaptação, e o desdém de se ver preterido, que quase o levara à loucura, ao suicídio. Fora para ganhar Gertrudes e não perdê-la que, cheio de coragem, empreendera a viagem. Perdeu o ano lectivo, adoeceu de amor. Seria para sempre um estilete no seu coração magoado. A memória da mãe o terá salvo.
O desembargador da Relação tornou-se seu amigo. Também fazia versos, compreendia Bocage.
A esse tempo vive-se a "Conjuração dos Pintos," (à qual esteve ligado, como organizador, o Padre José Custódio de Faria, aquele que Alexandre Dumas viria a inscrever no seu romance O Conde de Monte Cristo). Bocage reage com um vivo sentir nacionalista. Era território de Portugal que estava em perigo e o patriotismo do jovem manifesta-se em diversas poesias. Mostra um duro sentir, perante o castigo a ministrar aos processados por alta traição. Escreve:
"Eis que pérfida mão cabal ruína
uma alma infame, um bárbaro inimigo
que amaldiçoa o jugo Lusitano."
Era o sentir dos antigos feitos, que em Bocage se reviviam. Ele considerava o seu fado idêntico ao de Camões. Também ele vai entrar em combate e mais uma vez abandonou os estudos. Dessa batalha naval escreve o poema:
"Topamos há três dias o inimigo
na altura de Chaul; travamos guerra
sentia do português, o esforço antigo..."
Este seria o seu corolário de glória na Índia, pois os seus amigos moveram influências para que fosse promovido. Em Fevereiro de 1789 era colocado em Damão com o posto de tenente de infantaria. Partiu em Março na fragata Santa Ana, e chegou a 6 de Abril. No mesmo dia em que chegou de viagem tomou posse do seu lugar. Logo escreve esmorecido: "Damão era a morte (...) o quartel um presídio".
Acabou por não resistir ao apelo de fugir para longe, com um companheiro aliciador, do quebrar das grilhetas da disciplina militar. O seu temperamento ardente, sequioso de amor e de ternura, precisava de viver aventuras. Parecia amar o amor pelo amor, e no seu coração os sentimentos nada tinham de moderação. Surgem na sua poesia muitos amores reais ou ideais: Nereida, Lenia, ou Ana de Monteigui, com a qual se empolgou quando a conheceu. Natural de Damão, filha de uma mestiça e de um francês, era Monteigui uma mulher que pertencia a quem lhe podia ofertar luxo e dinheiro. Talvez tenha admirado a poesia de Bocage e por ele se enterneceu. O poeta viveu uma paixão intensa, que o levou a realçar comportamentos menos dignos, e a rebaixar a virtude . Mas foi sol de pouca dura, já que ela tinha por amante um hercúleo negro do qual Bocage sofreu amargos ciúmes. Escreve terríveis sátiras obscenas, pelo repúdio que sofreu, em contraste com as que inicialmente lhe dedicou.
Parte desgostoso de Surrate, com destino a Macau, onde chega muito pobre em Julho de 1789. Andara à deriva por mares de bravias ondas, e sentimentos alteados, sentia-se o mais mísero dos mortais e tinha que mendigar para comer.
Imagine-se o que sofreu aquele orgulho, que seria em si, toda a vida o esteio! Egocentrista, canta louvores ao governador de Macau por ter sido bem acolhido. Um movimento de ternura e simpatia por parte dos portugueses de maior destaque gera-se em seu redor e Bocage que havia andado durante quase três meses semi-nu, andrajoso e com fome, sente-se reconhecido. As pessoas pareciam-lhe agora bondosas e inteligentes, porque o admiravam, lhe davam abrigo e tratavam do seu regresso a Portugal.
Sentia-se diferente, e como tal gostava de ser tratado.
Corria, então, o ano de 1790, quando regressou a Portugal, e imediatamente se encaminhou para Setúbal. 

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