domingo, 15 de abril de 2012

O Retrato de Bocage

Manuel Maria Barbosa Hedois du Bocage.
Nasceu em Setúbal a 15 de Setembro de 1765.
Filho de José Luís Soares de Barbosa, "bacharel em Cânones, antigo juiz de fora de Castanheira e de Povos, Ouvidor em Beja, e Advogado com banca montada em Setúbal."
Era sua mãe: D. Mariana Joaquina Xavier Lestof du Bocage, dona de casa e sua primeira educadora.
Quarto filho, e segundo varão, teve cinco irmãos.
Ficou solteiro, e não teve filhos.
Faleceu a 21 de Dezembro de 1805 em Lisboa.
Foi em Setúbal que Bocage passou os seus primeiros anos de infância e adolescência, junto ao rio Sado, de sereno e poético porte, reflectindo nas suas águas o azul do céu. Esta cidade tinha no seu tempo, e isso mantém até hoje, uma tradicional atmosfera cultural, que lhe havia ficado dos históricos tempos das descobertas.
Aliado a esse sentir do meio circundante, estava o ambiente de sua casa paterna, onde se cultivava o gosto pela poesia. Seu pai misturava aos livros de leis, os dos versos; e ele próprio versejava com gosto. Havia também tradições poéticas por parte de uma tia francesa, da família de sua mãe, de quem ouvia falar com orgulho.
Bocage foi ensinado a ler e a escrever por sua mãe, e o pai ensinou-lhe a falar e a escrever suficientemente o francês. Junto das suas irmãs começou a declamar os seus poemas, para logo ser admirado como um prodígio.
Em 1775, apenas com dez anos, perde a sua mãe. O seu sensível coração dificilmente se recuperará deste desgosto.
Seu pai, após o falecimento da mãe, faz com que seja admitido nas aulas régias do padre espanhol Don João de Medina. Aí aprendeu a traduzir latim com perfeição e se apaixonou pelas letras. Começava aí o seu espírito a ser moldado pelas humanidades clássicas. Era então um jovem tímido, habituado a viver entre as suas irmãs. Viu por esta altura partir o irmão para Coimbra a fim de estudar direito, como seu pai. Resolve que o seu destino irá ser a vida militar, como era tradição da família. Seu avô materno, Gil le Doux du Bocage havia sido vice-almirante na armada portuguesa. Bocage quer seguir esse caminho. Tornar-se soldado e poeta, tal como os antepassados lusos, e o seu poeta Camões, herói predilecto. Parte de casa para o Regimento de Infantaria de Setúbal. Era um soldado voluntário e teria uns dezasseis anos. Ficou com o número 86, e pertencia à 6ª companhia. Foi no dia 22 de Setembro do ano de 1781, e nos seus registos de matrícula consta que: "tinha cabelos castanhos, olhos pardos e altura de cinco pés e quatro polegadas." Como cada pé medisse trinta centímetros, teria cerca de 1,66/7 m de altura. "Os cabelos que, na infância, seriam louros, tendiam a escurecer. Os seus olhos de um azul-cinzento, e as suas pupilas grandes e luminosas, irradiavam por todo o rosto moreno, pálido e oblongo, em que avultava o grande nariz, e onde a claridade espiritual" (1) era patente. "Boca breve, mas de lábios espessos, bem recortados, a denunciarem sensualidade, a face quase desprovida de barba completavam este retrato juvenil. Mais baixo que alto, muito magro, marchando a passo largo e movimentos desajeitados." (2)
Tinha, então, dezoito anos, quando pediu licença para vir a casa. Com o pai iria resolver ingressar na Academia dos Guardas Marinhas, fundada por decreto de 14 de Agosto de 1782. Estava decidido a seguir a carreira da marinha como o avô que se havia gloriado na batalha de Matapan. A sua imaginação fértil sonhava com feitos gloriosos também para si.Vibrava de aspirações, anseios e sonhos. Mas, a sua mentalidade era clássica, quer pela literatura, quer por influência paterna, e a sua vocação poética moldara-se na atmosfera novo-arcade da época. Tinha agora que estudar trigonometria, cálculo, mecânica e náutica. Matérias que lhe eram difíceis, mas que seguia com gosto; e destes estudos científicos falou nos seus versos. Eram conhecimentos náuticos que faziam dele um bom marinheiro. "Diligente na manobra, dos melhores a deitar o prumo."
Se era ou não um bom aluno não sabemos, mas o que é certo é que à carreira militar irá sobrepor a sua predilecção pela poesia. Esse seu talento iria revelar-se entre os companheiros da Academia, e os aplausos não terão fim. Bocage era muito sensível a estes elogios. Todos juntos começaram a frequentar os botequins, dessa Lisboa que os fascina. Aí se cria o ambiente para improvisar as suas sátiras, e a sua escrita reflecte essa vivência. Causa assombro com as suas críticas irónicas, caricaturas sociais, epigramas espirituosos. Tornava-se popular e da Academia para os botequins, afirmava-se em fama pelo País.
No Martinho da Arcada, no Marcos Filipe Campodonico, no Casaca, Neutral, ou no Nicola e no Parra, "cafés" do Rossio, entretém Bocage o seu tempo em tertúlias literárias da época.
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Notas:
(1),(2) - Domingues, Mário, Bocage, a sua vida e a sua época, Ed. Romano Torres, Lx., 1962, pp.28,29,30. 

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