segunda-feira, 9 de abril de 2012

As Sempre Vivas

Viajava agora do Lobito para Sá da Bandeira: essa Huíla de que tanto já ouvira falar. Aí, diziam, o clima era como na metrópole e que tinha uma fruta deliciosa. Todos gabavam a cidade, onde existia um Cristo-Rei que, em ponto mais pequeno imitava muito bem o de Almada. Assim, rumei a Nova Lisboa e passando pela Caala (vila Robert Williams) continuei para a Huíla. Mil e duzentos quilómetros nos separavam de Luanda a Sá da Bandeira, porém as suas belezas tornavam a jornada breve e leve. Aí existia a Faculdade de Letras, única nesse tempo em Angola. Os alunos que não podiam deslocar-se para a metrópole podiam nesta faculdade fazer o curso de românicas e outros.. Até isso tinha de belo! Era também uma cidade de estudantes!
Não vou falar-vos de Nova Lisboa nem da Cela, uma vez que só lá parei no regresso a Luanda, já após o meu encontro com as Sempre Vivas. Ficará para outra história, quando vos falar das quedas do Ruacaná e do Hotel do mesmo nome.
Tenho pressa, porém, em vos contar como era linda a Pousada da Senhora do Monte, em como era grandiosa a famosa Tundavala! Aí, perante essa fenda nas rochas, sentia-me pequenina que nem formiga! Daí, bem lá do alto, avistava-se a estrada para a região da Humpata e Moçamedes. Pela estrada, encontrava, ao vivo, aquelas mulheres mucubais de uma beleza difícil de descrever! Andavam nuas de cintura para cima e os seus bustos eram cobertos de missangas coloridas, como se envergassem a mais sumptuosa blusa. Bordada, quem sabe, pelos dedos esguios que nem galgos da costureira da baronesa de Um Apólogo. Elas sim. O seu porte era de baronesa, agora vejo! Os seus cabelos eram entrançados, curtos ou longos, em finíssimas estradinhas que demonstram bem a sua perseverança e personalidade. E eu revia a História de Angola. Ao vivo eu própria escrevia história. Eis, leitor, vêde como as emoções eram tão vivas, se possível imaginai-vos no meu lugar! Também vós iríeis amar aquela Huíla tão linda! Os seus jardins, as suas piscinas, a cidade parecia tirada, para mim, de um conto de fadas de Andersen. Do alto do Cristo-Rei saudei aquela cidade inesquecível. O seu clima permitia, então, o cultivo dessas flores que originaram a breve história desta viagem. As Sempre Vivas eram "rainhas" em Sá da Bandeira. Essa beleza era reforçada, à medida que caminhava para o deserto de Namibe. Aí conheci a famosa Welvitschia Mirabilis, que engolia insectos, diziam-nos na escola.
Após ter conhecido, num dia muito cinzento, a baía de Moçâmedes, e voltar a encontrar-me, sob outro ponto de vista, com o Oceano Atlântico, desejei regressar a Sá da Bandeira. Aí, sim, o céu era mais azul, a terra era ponteada de cheirosas flores, jardins e canteiros, cedros em formato de cestas onde podia meter o braço, ou tão altos, apontando para o céu, fazendo-me sentir qual anãozinho da história da Branca de Neve. Sim, tudo era vivido como num sonho, do qual não apetece despertar. O aroma e o sabor das suas maçãs, autênticas, não daquelas pequeninas maçãs da Índia, douradinhas que eu tinha no quintal, que pareciam a maçã de ouro de outro conto.
Não mais lá voltei. Despertei e quando tornei a encontrar as Sempre Vivas já elas estavam feitas em buquês, a ser vendidas ali ao fundo da Rua do Carmo, no início da Rua Augusta, nas floristas do Rossio, ainda de hastes verdes essas. Porque, tal como no filme com António Silva, O Pátio das Cantigas, estas floristas resistem ao tempo e renovam-se todas as primaveras de avós para mães e filhas, ali estão prontas a vender flores, que serão um presente para, quem sabe, um novo amor. Para mim, as Sempre Vivas serão aquelas que prenderam o meu coração, dividido, no jardim do Grande Hotel da Huíla.
Em Lisboa iria ficar surpreendida com o seu encontro. Afinal poderia, de tão longe, trazer para casa um pedacinho de terra, de céu, do aroma dos perfumes das flores de Sá de Bandeira, porque descobri, leitor, que a Huíla viverá sempre no meu coração, tal como o encontro com Machado de Assis e as suas Várias Histórias. Eis as minhas Sempre Vivas. Partilho-as consigo leitor.
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Nota ao leitor:
Este trabalho que serviu como que um epílogo às Várias Histórias, não foi transcrito na totalidade, pois retirei a narração de uma viagem a Malange que realizei na infância com outros alunos da escola. Retirei outros excertos que considerei sem interesse para os leitores. Esta ida à Huíla concretizou-se por ocasião da minha viagem de núpcias é, por isso, uma situação verídica. 

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