quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A Década de 30 e 40 (continuação)

José Régio faz crítica de cinema na «Presença». É toda uma conjuntura que promove a iniciativa histórica do cinema português. "António Ferro publica páginas dedicadas ao cinema. Almada negreiros também se interessa pela sétima arte e irá escrever sugestivos comentários sobre ele". Neste contexto surge o cinema novo, que por excelência se alia a todos estes nomes. Um documentário de Leitão de Barros, "Nazaré, Praia de Pescadores", em que este cineasta tem por assistente Lopes Ribeiro, é estreado em 1929 no S. Luís. A propósito deste filme, Luís de Pina diz que o cineasta é influenciado pela vanguarda cinematográfica europeia, e que seguiu "uma concepção de 'cinema puro', onde a luminosidade e o recorte do preto e branco de Costa Macedo (câmara) acentuavam no plano plástico", e caracterizavam as próprias gentes da Nazaré: o preto(dos fatos, as sombras, as redes) e o branco (as casas, a areia, o céu), sombra e luz.
A este caminho traçado do documentarismo, Leitão de Barros vai juntar a ficção, e surge «Lisboa, Crónica Anedótica», visionando a cidade na sua actualidade e no passado. Num tom de graça anedótica, capta mesmo a expressão dura da realidade, "claramente influenciada pela escola soviética". Mistura actores com personagens da vida real e obtém "uma autêntica obra prima do cinema português, verdadeiramente inovadora". O facto é que, por esta altura, Abril de 1930, a equipa de homens valorosos do nosso cinema era muito jovem. "Leitão de Barros tinha trinta e quatro anos, Chianca Garcia trinta e dois, Jorge Brum do Canto vinte, Manoel de Oliveira vinte e dois, e António Lopes Ribeiro vinte e dois." É sobre os seus ombros que a tarefa de erguer o cinema português pesa. Porém, como tudo que é feito por gosto não cansa, estes nossos cineastas continuam no caminho da aventura.
Na verdade, eram experimentalistas na arte cinematográfica, pois escolas de cinema não existiam, onde se aprendessem todas as técnicas e toda a estética que o caracteriza, como seja: o plano, sequência, longos movimentos da câmara, planos fixos ou breves panorâmicas, câmara estática, movimentos verticais, ou laterais, toda uma sintaxe própria inerente à construção da narrativa, dos diálogos e seus enquadramentos, que permitam fazer a ligação do texto e a fita cinematográfica. Creio que terá sido Manoel de Oliveira o único a ter experiência como actor, assim como o único a ter uma breve passagem pela escola de Rino Lupo, aos dezasseis anos. Contudo, segundo Alves da Costa, "por ali não aprendeu nada. As lições ia-as recebendo de outro lado(...) nos écrans do cinema Trindade, do Olímpia, do Passos Manuel e do salão High-Life"...
Pudovkine, Dreyer, Eisenstein, Eric Von Stroheim, Stiller, eram os realizadores que, através dos seus filmes, formavam a 'escola' deste cineasta e, possivelmente, dos seus companheiros. Essa aprendizagem resultou em «Douro, Faina Fluvial», que Luís de Pina considera um verdadeiro clássico do nosso cinema. Viria a ser visto por Luigi Pirandello e outros congressistas presentes a 21 de Setembro no Salão Central, onde se projectava a «Severa» (complementada por este).
Manoel de Oliveira teria um elogio, feito por um crítico presente, no jornal parisiense "Temps". O engenho superou a falta de escola.
E o cinema continuou o seu plano ascendente.
«Maria do Mar» é "a grande fita de ficção dos novos cineastas (...) o primeiro filme de acção, (...) fortemente influenciado pelo cinema humano que a Rússia lançou no mundo". Este iria somar-se à "Severa" e dar folgo para um verdadeiro prosseguimento. O sucesso deste último junto do público, que assistia ao primeiro filme sonoro, e "que foi uma super produção que custou mil e oitocentos contos", permitiu criar asas para voar, e a Tobis Portuguesa nasce em Junho de 1932.
Assiste-se, então, a sucessivos filmes que retratam a vida nos bairros lisboetas. «A Canção de Lisboa» reune um elenco de artistas que, penso, quase se tornará mítico para a história do cinema. António Silva, Beatriz Costa, Vasco Santana, que darão o seu melhor em representação no cinema, apesar de serem artistas de teatro. Este filme tinha argumento e realização de Continelli Telmo (arquitecto que orientava a construção do estúdio do Lumiar), mas foi dinamizado e orientado tecnicamente por Eduardo Chianca Garcia, o qual tinha estado na "linha da frente" pela concretização da Tobis.
O poeta Gomes Ferreira também deu, na montagem deste filme, o seu contributo, e, sabendo o quanto esta é importante no resultado final (como conjunto), podemos avaliar do trabalho destes empenhados homens. Manoel de Oliveira tinha aqui um papel como actor. Como resultado final, ressalta o amor pelo cinema, e, como tudo o que é feito por amor resulta, eis que foi bem recebido, na sua alegria.

(continua)

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