segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Uma Ida ao Cinema (continuação)

No alpendre, parras se enroscam das colunas de madeira, que a suportam; rosas, árvores no quintal, uma perspectiva bucólica, campestre, colorida. Mas a cor essencial do quadro é dada pela singeleza de Roxane, que recorda a infância, na companhia do primo. Laços de ternura, anseio de ser correspondido no seu amor. Suprema ventura. Aquela menina mulher, ser sua! Contudo, Roxane vem dizer-lhe como é sua amiga. Deseja pedir-lhe que proteja aquele cadete vindo do norte. Hã! Hã! Hã! Cyrano mantém-se preso às palavras que saem da sua boca. Eram como punhais que feriam a sua esperança. Não tem coragem de se declarar enamorado. Chega a aia, ele afasta-a, diz-lhe que, se já comeu os bolos, leia agora os versos. Reage quando a prima quere saber como se magoou naquela mão. Foi no duelo? Conta primo. Meu amigo. Ficará para outro dia. Promete proteger o cadete. Despedem-se apressadamente.
Regressa à academia; vai de mau humor. Porém, os cadetes rodeiam-no, já sabem da proeza! Querem ouvir contar. Lava-se. Hoje não, amanhã contará. Mas logo o incidente é esquecido, porque acabava de entrar os portões, em forma de arco triunfal, da academia, De Guiche, autoridade máxima, comandante de cavalaria. Este vem felicitar Cyrano pela proeza da noite anterior. Pedem-lhe que recite. Recusa: outro tenta fazê-lo, mas não se recorda completamente da letra e então Cyrano, voluntariamente, declama "Agripina", tragédia em cinco actos. De Guiche oferece a este a sua protecção e a de Richelieu, seu tio, para a poesia. Recusa, e dá-se, então, uma referência a D. Quixote, que Cyrano diz admirar.
Christian chega à academia quando Cyrano conta a proeza da noite anterior. Este, que tinha sentido os gascões muito orgulhosos e arrogantes, sabendo que Cyrano não gosta que falem do seu nariz, decide provocá-lo e a cada cena interpela-o, introduzindo a palavra "nariz".
Ele, que tudo contava em verso, torneia sempre a questão e aguenta-se durante um tempo, mesmo que visivelmente incomodado. Christian não desarma e, então, Cyrano manda embora os cadetes violentamente. Estes, receosos de que se vá dar um duelo, tentam espreitar por uma alta janela oval, que deixava entrar a luz no salão.
A sós, Christian fica a saber que o "herói" era primo de Roxane e se propunha ser seu amigo. Resolvem, então, que este o ajudará a conquistar Roxane: a beleza de um e a veia poética de outro construirão o romance. Christian hesita em aceitar a carta do amigo, mas é uma epístula de amor e o seu coração aceita-a.
Os cadetes estão surpreendidos por não ter havido briga e de os verem amigos. Ousar, um, falar no nariz e logo ali é derrubado.
Mas eis que surge a notícia da guerra. Será que todos irão? A resposta é dada a Roxane por De Guiche, que lhe mostra as cartas que enviarão as companhias para a batalha de Arras. E o sonho continua. Parece impossível mas não é. Roxane mostra-se amorosa com o comandante para que ele não leve Cyrano e os seus cadetes para a guerra. Ele ficaria revoltado por não ir. Diz-lhe ela. Seria ferido no seu orgulho! Eis a melhor maneira de o penalizares: deixá-lo ficar! De Guiche, que fazia a corte a Roxane e pretendia encontrar-se com ela, mesmo sendo casado, resolve fazer-lhe a vontade. Deixa de parte o envelope dos cadetes de Cyrano. Desce do seu quarto com a velada promessa de se encontrarem antes de ele ir para a guerra. À penunbra o dia sucede, e, com ele, novas cartas de Christian para Roxane, que quase desmaia de paixão ao lê-las.
Certo dia, pela manhã, ela mesma recebe a carta que metem por baixo da porta. Abre, para ver se encontra o mensageiro; vêem-se de fugida. Eis que a carta lhe cai da mão, e já um mendigo, com um aguilhão, lha prende do chão! Corre espavorida atrás dele. São bois, suínos, galinhas, homens, mulheres e crianças, completamente misturados nesse largo junto à sua casa. Em roupão estampado, leve e vaporoso, camisa branca, de virgem, esvoaça! Seu coração estremece, mas consegue recuperar a carta.
Que diferente vida! E coexistia! Entre portas, no palacete, tinham limpeza, criados, patamares esfregados, escadarias brilhantes de luz, e lareira acesa, que projectava a sua sombra na parede, ao ler as suas cartas de amor. Pelas janelas, aos pequenos quadrados, observava a realidade lá fora, e sonhava. Aproximava-se uma tempestade, relâmpagos, luz e sombra. Roxane, deitada, pensa em Christian. Eis que este lhe atira uma pedra à janela. Corre a abrir. E o que ouve é de encantar! Uma voz sussurada, melodiosa, que lhe dizia o quanto a amava, em ternos versos. Parecia um quadro tirado da peça de Shakespeare. Ambos, seriam Romeu e Julieta. Porém algo a intrigava. Hoje ele sabia usar a sua retórica amorosa, ao contrário da noite do sarau, em que Christian só sabia dizer: "Je t'aime".
Era Cyrano que, de improviso, tal como lhe ditava o coração, assim substituia Christian. Este acaba por subir ao quarto de Roxane.

Sem comentários:

Enviar um comentário