segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Naufrágio do Galeão S. João na Costa do Natal (Conclusão)

Conclusão

Esta é uma obra de fôlego, que nos dá, não só uma narrativa sincera e dramática das situações vividas, mas também informações e conhecimentos sobre o mar e as praias, as terras, os rios, as populações e a sua forma de vida, sobre as dificiências que existiam nos barcos e na preparação das viagens. Estas precisavam de ser colmatadas e, por isso, todas as desgraças serviam de exemplo. Se em alguns naufrágios se encontrou mais salvação, foi porque já eram conhecidos estes destinos adversos.
A calafetagem dos navios começou a ser mais cuidada, as velas e o cordame em maior número e mais seguro, e as naus já não se metiam a navegar com madeiras apodrecidas, ficando por vezes vários meses em reparação. Apesar de todos os cuidados que se foram desenvolvendo, só encontramos no quarto relato do I volume, e no quinto relato do II volume, conhecimentos e temperança que permitiram a salvação e a chegada a bom porto dessas tripulações.
O tempo da narrativa, que se conjuga nestes dois volumes, abrange um período vivencial de quarenta e nove anos, entre 1552 e 1601, e em que se deram, só na carreira da Índia, o naufrágio de trinta e oito naus, a maior parte deles por excesso de carga.
O espaço vivencial destas tragédias e sucessos é, por excelência, o mar. Na ida e no regresso da Índia, junto à terra do Natal, no Cabo da Boa Esperança, em Pero dos Banhos, no Penedo das Fontes, na Terra dos Fumos, ou à vinda do Brasil.
Ficou-me a viva impressão que muitas naus se teriam salvo se não trouxessem carga a mais e passageiros em excesso. Não só havia cobiça em carregar o galeão, ou a nau o mais possível, de especiarias, baixelas de louça e pratarias, pedras preciosas, tecidos de fina seda, etc., mas também escravos, que eram rendosos. Não se tomavam as devidas precauções de armazenagem das mercadorias. Os longos meses, que por vezes levava a viagem, faziam com que as especiarias ajudassem a corroer a já de si apodrecida madeira dos cascos dos navios. Havia uma grande preocupação de enriquecer depressa e não pensavam nos perigos que corriam. Isto acontecia, igualmente, com os construtores navais que descuravam a escolha das madeiras, e que por vezes era verde e encolhia, abrindo fendas.
Porém, tudo serviu de exemplo, e, uma tão grande empresa, como foi a abertura do caminho marítimo para a Índia, para a África e o Brasil, teria que conter, inevitavelmente, erros, porque errar é humano.
Com eles se aprendeu, com eles se construiu um novo mundo. O sofrimento dos portugueses, a sua coragem de enfrentar o medo e o perigo, e avançar, foi o contributo decisivo.

Lisboa, 2 de Junho de 1993.

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