Mas, e fazendo regressar a minha 'máquina do tempo', pressupondo que a consegui e viajo nela, eu volto a Marc Bloch, esse sim, um historiador mais do meu tempo, para registar palavras suas às quais logo aderi: "evitemos retirar à nossa ciência o seu quinhão de poesia."(5) É, pois, apoiando-me neste quinhão, que já era considerado por Heródoto como pertencente à História, que eu vou avançando através desta viagem.
Regresso à antiga Grécia, que foi a percursora da historiografia moderna. Encontro-me então com Políbio(208 a.C. a 128 a.C.)- político grego deportado para Roma - que, sendo um dos melhores seguidores de Tucídides, já concebia a História como universal, ou seja, abarcando o mundo civilizado equivalente ao mundo romano. Tinha uma concepção da História como "Mestra da Vida". Expressou a ideia de que a História se processava por círculos, o que veio a exercer grande influência no movimento renascentista. Lá saltei eu da 'máquina do tempo'! Regresso já de seguida para estudar os historiadores romanos de maior valor, e eis que marco entrevista com os próprios: Júlio César, Tito Lívio, Salústio e Tácito.
De Júlio César e Tito Lívio sei que a sua História era fragmentada e que, por vezes, os acontecimentos não tinham ligação uns com os outros.
Tito Lívio escreveu a História de Roma desde as origens até à época em que viveu, dividida em décadas. De carácter nacional e patriótico, enaltece a lenda e os primitivos costumes romanos. Não se preocupa, porém, com a explicação dos factos que relata.
De Tácito fiquei a saber que possuía um método mais filosófico que os anteriores. Seguiram Tucídides e Políbio e não introduziram, ao que parece, grandes alterações no método e na concepção histórica herdade dos gregos.
Que bom seria que pudéssemos regressar ao passado, tal como fazemos quando estudamos História! Continuemos esta viagem ainda sob a alçada da narrativa, porque esta é, efectivamente, aquela que mais ligada está a esta concepção de fazer História.
A concepção cristã do mundo substituiu, após o declínio do império romano, (desde o séc. I e II), a concepção historiográfica importada da civilização greco-romana. As estruturas mentais e intelectuais romanas são progressivamente minadas a partir do séc. IV e V da nossa era. A História tinha por objectivo a execução dos desígnios divinos, pois os homens cumpriam a vontade de Deus, extensível a todos os povos. Assim pensava S. Agostinho. Por isso, esta História cristã de base universalista era repetitiva, cíclica e determinista.
Mas eis que, vindos da longínqua Grécia e Roma, viajando no tempo, nos aproximamos da historiografia medieval, em que surgem (séc. X e XI) os Anais e as Crónicas de carácter moralista e humano, mas ao serviço da política, pois, essas crónicas, eram as dos reis, das batalhas, quase sempre vistas do lado do vencedor.
A esta fase de invasões, formação de estados, conflitos sociais, que os anais e as crónicas relatam, vai seguir-se uma historiografia (do séc. XV ao XVII) que porá em causa o teocentrismo e a escolástica, apesar de permanecerem, na sua essência, valores cristãos. Roger Bacon nega o aspecto transcendente e divino da História: o objectivo da História era registar e recordar o passado nos seus verdadeiros factos.
A constituição de arquivos e bibliotecas, a aquisição de obras de arte, permitiram uma universalização da cultura, motivada também pelo incremento de novas técnicas de difusão e de impressão.
Os descobrimentos põem em relevo outras culturas, e verifica-se um ruir da ideia de superioridade da cultura ocidental. A mentalidade deste tempo assume a descrença em conceitos absolutos que imperavam desde a Idade Média. A dúvida sistemática instala-se. Aos historiadores vai ser dado observar com maior abertura crítica e é-lhes dada a capacidade de escolha. A História apresenta-se como o ensino dos jovens, com um carácter explicativo, pragmático e oratório; por isso, há necessidade de análise do passado humano. A História retoma a sua função educativa, com a intenção de formar bons estadistas, iluminados. O homem é encarado como motor de todos os acontecimentos, por Maquiavel. Quanto às técnicas de estudo e investigação histórica, não se verifica um tão grande alargamento como quanto à temática. No séc. XVII, com o incremento dos transportes e a possibilidade dos contactos com outras regiões, os historiadores inovam os seus processos de organização de trabalho. Surge então a diplomática (estudo dos diplomas) e a paleografia (estudo dos esqueletos antigos), que passam a fazer parte da investigação histórica. Porém, o predomínio estético mantém-se em relação ao conteúdo científico. As ciências físicas e naturais e a matemática avançam em relação à História.
E avançam porquê? Talvez porque se vivia um tempo em que era necessário preservar a continuidade das monarquias absolutas. Mediante todos os conflitos religiosos e sociais deste meado do século na Europa, a História cumpre o papel de dar aos monarcas absolutos um estatuto de poder divino na Terra, justificando assim o poder real. Encontrava-se ao serviço do poder e da política, ficando para segundo plano os factos económicos e sociais. Bousset, que defendia esta corrente historiográfica, retorna, no séc. XVII, ao conceito medieval da História.
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Nota:
(5) - Bloch, Marc, «Introdução à História», pp.15.
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