As invasões francesas irão suceder-se e, com elas, penetrarão em Portugal os ideais do liberalismo. Será como que um voltar de página na nossa História, pois nada ficará como antes. D. João VI parte para o Brasil e aí terá o seu reino. Portugal ficava problematicamente "adiado".
No filme de Manoel de Oliveira, «O Pintor e a Cidade», lá surge "intercalada" como um relâmpago a imagem de D. Pedro IV, estendendo a Carta Constitucional. Irão dar-se as lutas liberais. De um lado D. Miguel e a Rainha, que não quisera jurar a Carta; de outro D. Pedro IV, que pretendia um outro destino para Portugal. Absolutistas e liberais. Novos filmes reflectem esta vivência, extremamente importante da nossa História. «A Rosa do Adro», de Chianca Garcia, baseada no romance de Manuel Maria Rodrigues, reflecte a vivência (no Norte) dos homens que seguiam D. Pedro e os que eram partidários de D. Miguel. Rivalidades e ódios políticos, que se revelavam em duas diferentes concepções de vida: uma sociedade absolutista, que não queria perder os seus privilégios de "casta", e uma grande maioria de ideais liberais que pretendia uma nova forma de vida. A vivência no exílio de grandes intelectuais, como Alexandre Herculano e Almeida Garrett, produziria os seus frutos. Iniciar-se-ia também aí uma verdadeira literatura nacional.
«As Pupilas do Senhor Reitor», «Os Fidalgos da Casa Mourisca», e a «Morgadinha dos Canaviais», são romances de Júlio Dinis, adaptados ao cinema, e realizados por Leitão de Barros. Todos eles nos revelam a sociedade daquela segunda metade do séc. XIX, e como os ideais liberais tinham originado a ruína de alguns fidalgos, que tiveram que se adaptar à ascenção da burguesia e à implementação das novas ideias.
«Vendaval Maravilhoso» também nos conta os fins da época imperial do Brasil, decorrente, de certo modo, destas novas formas de pensamento que não admitiam já que o homem fosse escravo de outro homem, e que o Brasil se mantivesse na dependência do rei, da Metrópole, ou, mais tarde, do imperador.
Os filmes «Amor de Perdição» e «José do Telhado» também contam épocas e vivências da nossa História, assim como «A Severa».
De Carlos Porfírio, «Sonho de Amor» é uma mostra do ambiente "belle époque" da Lisboa de 1900.
E somos chegados àquele período em que havia cinema somente há quatro anos. Se primeiramente se filmou aspectos documentais, como sejam festas populares, jogos tradicionais, ou simplesmente a chegada de um navio, ou a saída de uma fábrica, a partir de 1900 começamos a encontrar documentários de Manuel Maria da Costa Veiga, e outros, sobre a família real. Um passeio; uma vinda dos Açores; ou viagem ao Norte, e ainda visitas de outros soberanos a Portugal; ou dos nossos últimos reis a Londres, a Paris, ou a África. Aproximava-se a revolução republicana, e também esta vai ficar bem marcada através da película cinematográfica. Aurélio da Paz dos Reis era um homem de "índole liberal e democrata convicto", como nos diz o Dr. Félix Ribeiro. Estivera ligado ao movimento republicano de 1891 e fora, inclusivamente, preso como implicado. Podemos, por isso, dizer que o cinema nasce em Portugal pelas mãos de um republicano e democrata, que merece figurar na História de Portugal.
Pelo Prontuário do Cinema, é-nos dado verificar que este, desde muito cedo, se ligou aos acontecimentos políticos. O ano de 1910, e a proclamação da República, também iriam ser filmados em profusão, com diversos episódios. Desde as revoltas em Lisboa, até ao embarque da família real para o exílio, após o regicídio de D. Carlos I e seu filho D. Luís. D. Manuel II e família, mais tarde sua mãe, e, por fim, as exéquias fúnebres destes últimos monarcas. Os levantamentos daqueles que preferiam o rei a governar também foram filmados, e datam de 1911 as "incursões monárquicas". Logo após a formação do governo republicano, são tomadas medidas através de um decreto para se introduzir o cinema nas escolas.
Passados são quatro anos, e, com o deflagrar da primeira guerra mundial, é criada a cinematografia dos serviços do Exército. O certo é que logo aí são criadas, também, as primeiras imposições à liberdade das câmaras. "Em 1917, no Diário do Governo nº 155, 1ª série, de 10 de Setembro", era publicado o decreto que impunha restrições à livre exibição. O Presidente da República, Bernardino Machado, e o ministro da Guerra, José Mendes Ribeiro Norton de Matos, assinavam este decreto.
Portugal tinha entrado na guerra, ao lado das nações aliadas, cumpria o tratado de aliança com a Inglaterra, e, por isso, era necessário proteger a entrada e exibição de filmes sobre os acontecimentos bélicos. Mas o cinema continua a servir a política, e é filmada a proclamação do Dr. Sidónio Pais em 1918. Mas também é iniciada, com regularidade, uma certa prática cinematográfica que formará os alicerces do cinema português. Em 1925 era implementada uma lei (nº 1748, de 16 de Fevereiro), que estabelecia normas concretas sobre a fiscalização da imoralidade, e em 1929 é criada a Inspecção de Espectáculos (decreto nº 17046-A). Este decreto irá orientar também o trabalho da Comissão de Censura, tal como nos diz Luís de Pina. Porém, e ainda segundo este historiador de cinema, nos primeiros vinte anos de filme sonoro atingiu-se o máximo da sua qualidade expressiva, apesar da censura, o que não obteve o cinema subsidiado posterior.
Em 1935, António Ferro está na posse de poderes para superintender todo o cinema português. Depois deste ano, a "produção nacional assentara sobretudo na estrutura da Tobis, na Lisboa Filme, depois de 1941, e na Cinelândia.
Apesar da entrada em vigor da lei de protecção, o cinema irá entrar em crise. Era o próprio País que vivia também em crise. Por ocasião da segunda guerra mundial, os próprios negativos dos filmes são vendidos a peso para "extraírem o celulóide e recuperarem a prata da sua emulsão". Não pude deixar de sentir mágoa, ao ler que "saíram da nossa terra toneladas e toneladas de película positiva e negativa, em muitos casos com grave prejuízo para a história do cinema português".
Entre elas o negativo «Nazaré Praia de Pescadores». Portugal entrava, tal como a nossa cinematografia, no «Feitiço do Império». Em 1938 constituiu-se a "Missão cinematográfica às colónias de África", criada no Ministério das Colónias. António Lopes Ribeiro produz este filme. Alves da Cunha, Ribeirinho, Estêvão Amarante, Isabela Tovar, são artistas que protagonizam este "Feitiço do Império".
Quase a terminar este meu trabalho, falo, ainda, sobre os «Heróis do Mar», de Fernando Garcia. "O Mar", diz Félix Ribeiro, é o grande protagonista. Aliado a ele, a vida dos pescadores do bacalhau na Terra Nova. A vivência de épocas em que os homens souberam, apesar de ventos e tempestades, "sempre vencer e dele triunfar". A esse triunfo liga-se esta vontade férrea dos actuais realizadores de cinema em Portugal, fazerem cinema português.
«Non ou a Vã Glória de Mandar», de Manoel de Oliveira, acaba de contar episódios da guerra do ultramar. Tempos que se misturam no tempo do seu filme. É a memória que se grava em fita. «Enterrados Vivos», de Gil Serine (Austrália), que foi rodado parcialmente em Portugal, mostra as consequências da colonização de Timor Leste. Chaga em mim, em nós aberta. Documento da "História do Império", que a «Ilha dos Amores», de Paulo Rocha, poderá, como que "símile da pátria", resgatar, na intemporalidade vivida com amor, elo entre os povos, encadeamentos da nossa História, que vive também no cinema português.
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