Na capa do trabalho: Lagoa Henriques que se me afigurou como possível retrato do historiador, aquele que "espreita" (qual útero materno), o presente, em busca de contribuir para um melhor futuro. Ele próprio, como escultor, tem contribuído para o nosso enriquecimento histórico. Diz-nos, nesta entrevista a Fernando Dacosta: "Procuro oferecer à escultura uma escala humana, as minhas peças têm características urbanas, tentam recuperar a escola grega...um monumento não é só uma estátua, é também um espaço de convívio."(4) Em Bagdad, o seu mais belo museu, foi destruído.
Era este espaço de convívio que desejaria fosse possível dar ao mundo inteiro, neste momento histórico tão ameaçador que vivemos. Lagoa Henriques diz ainda que "a nossa cultura é uma procura da alegria" e que acredita ter distribuído "algumas mãos cheias de alegria."
Acaso não contribuirá para a nova História este fazedor de esculturas, este mestre, poeta, pintor, quando nos diz que "a arte máxima é a arte de viver", porque "a vida é uma passagem muito breve, apenas nos dá a possibilidade de antevermos um universo fantástico?" Este universo está patente no reverso da capa: Raymond Aaron tornou-se, para além de historiador um espectador que viveu os acontecimentos da segunda grande guerra, e que se transformaram em crónicas coligidas em livro.
E eis que me surge novamente a referência a Tucídides, por Jean-Claude Casanova: "Ao iniciar o relato da guerra entre Esparta e Atenas, Tucídides justifica o seu papel de observador escrupuloso, cujo testemunho pode esclarecer os homens, porque, passado o tempo dos contemporâneos, apenas se forjarão lendas." Raymond Aaron defendia a tese da dificuldade de uma História do presente, "não por falta de objectividade, mas por ignorância das consequências que dão o seu significado aos acontecimentos." Eis que este seu livro "resolve esta contradição", Aaron testemunha e escreve, e verifica-se que "o sentido dos acontecimentos passados se constrói à medida que a História avança." Este avanço é flagrante, quando passo de imediato a colagens do jornal Expresso sobre a guerra no Golfo - da segunda para (possivelmente) a terceira guerra mundial, da qual nós estamos a ser espectadores.
O que verificamos? É que o comprometimento com esta guerra é total. Grandes manchetes em praticamente todos os jornais: todos armaram Saddam. Portugal vendeu 300 toneladas de urânio ao Iraque! Talvez! Acaso não haveria conhecimento da tragédia de Halabja? A 16 de Março de 1988(...) "cinco mil pessoas morriam em poucos minutos, vítimas das armas químicas iraquianas."! Acaso não seria de prever? A quem pedir responsabilidades por semelhante massacre? A comunidade internacional continuou a reconhecer o Iraque e, possivelmente, a vender-lhe armas! Esta guerra actual será, então, por uma questão de direitos humanos e direito internacional? Ou será caso que vigorarão predominantemente os interesses económicos do petróleo? Penso que todas estas interrogações levarão a profundos estudos por parte dos historiadores.
O contributo para tornar possível essas investigações partiu em parte de Fernand Braudel, que "decisivamente rigorizou os conceitos-chave do historiador," sobretudo o tempo, e que fundou cientificamente a História das civilizações, em especial, ao nível económico-social. Eis porque aqui junto as folhas dos jornais, que melhor me ajudaram a conhecê-lo.
Também o nosso historiador Vitorino Magalhães Godinho fez parte desse grupo da "Escola dos Annales" e ajudou-me a reflectir e a perspectivar um "nova História, que considera fundamental para definir o presente e, talvez, o futuro". Nesta sua entrevista diz que: "Portugal esteve, desde muito cedo, tão ligado a todo o mundo que a História dos portugueses é excelente miradouro sobre a História Universal." No entanto, alerta já para os mais diversos problemas: "o do cidadão lhe faltar acima de tudo um ideal"; para o excesso da técnica e de que "os problemas dos homens não se resolvem tecnicamente, (...) o excesso de objectos e excesso de informação". Para o perigo da informação controlada à escala mundial, o estarmos a viver "na sociedade do espectáculo." Por tudo isto, Vitorino Magalhães Godinho vê este fim de século com certa apreensão.
A esta entrevista com o historiador dos Annales, segue-se uma com o Professor Jorge Alarcão que deu o seu contributo para também em Portugal se empreender "uma História diferente com nova perspectiva". De facto, tudo o que li e estudei para escrever este breve ensaio, me marcava encontro com historiadores franceses. Será que só em França se faz uma nova História? Encontrei a resposta. Não. Em Portugal um grupo de historiadores meteu ombros a uma nova História de Portugal, sob a direcção de Joel Serrão e de A.H. Oliveira Marques. Esta nova História dá uma atenção muito grande aos problemas económicos, sociais e culturais, deixando de lado a história política, as guerras, batalhas, casamentos, dinastias.
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Nota:
(4) - In Público Magazine, pp.59/60, de 11/3/90.
(continua)
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