domingo, 15 de janeiro de 2012

O Cinema Português - Problemático? (Introdução)

Mas o facto é que ao cinema estão ligados, desde o seu início, homens que professavam ideias republicanas. Uns, mais tarde, colaborando com o Estado Novo; outros, vivendo a sua intervenção cívica, através desse amor pelo cinema. Foi-me dado verificar que foi sempre difícil a questão da cinematografia portuguesa, e aquilo que Chianca Garcia escrevia em 1946 a Augusto Fraga, sobre "se há, ou não há, cinema português..." continua na ordem do dia. A prova disso é que encontrei em título de manchete de "O Jornal Ilustrado" o seguinte: 'Cinema: um sonho português.' A polémica mantém-se e faz história. Isso verificou-se quando da realização dos "Estados Gerais do Cinema Português", a 7 de Dezembro de 1990, na Fundação Gulbenkian. O produtor Tino Navarro interrogava sobre que cinema queremos. E logo, no dia seguinte, no "Jornal de Sábado", perante todos os telespectadores, afirmava: "O cinema português não existe, não tem imagem."
A este episódio respondia, de imediato, Manoel de Oliveira, na mensagem que dele foi lida por Maria de Medeiros no mesmo encontro do Auditório 2: "Se o cinema português não existe, o que estão os senhores aqui a fazer?" Naturalmente que, apesar de ventos e tempestades, de polémicas a que é possível traçar uma cronologia histórica, o cinema português existe, quase há cem anos, e é preocupação fundamental daqueles que pugnam pelos ideais de liberdade de expressão.
Liberdade de expressão essa que permita levar o cinema português até às escolas e às universidades. De que forma? Através do ensino da leitura de um filme, da estética que lhe é inerente, e da própria simbologia que lhe está subjacente.
O que se verifica é que a maior parte dos filmes obedecem a guiões decalcados de obras literárias, ou de acontecimentos históricos que foram adaptados ao cinema. Perde, por vezes, a obra literária, e perde o filme porque essa adaptação é feita por uma pessoa que entende de literatura, - e não esqueçamos que houve sempre literatos a trabalhar no cinema. Os próprios formalistas russos, que trabalharam também para o cinema, como por exemplo, Tynianov, que escrevia argumentos -, mas não está dentro da problemática técnica e de montagem de um filme. Ou então, estão no domínio dos segredos da cinematografia, mas não têm conhecimentos literários para escrever o guião ou argumento, fazendo-o por intuição.
Para suprir essa dificuldade, o ideal seria levar o cinema às escolas.Isto não é novidade, pois, como me foi dado constatar, "em 1910 (...) um decreto introduzia o filme na escola como instrumento auxiliar de ensino." Mas acaso isso se terá verificado? Penso que não. O que terá, de certo modo, contribuído para o "apagamento" do cinema, pois não está suficientemente enraizado na nossa cultura para que se não possa prescindir da cinematografia portuguesa.
É visível a 'crise' neste sector, pois continuamos a ter uma percentagem muito superior de filmes americanos e de outras proveniências, em comparação com a divulgação do nosso cinema. A questão dos circuitos comerciais é, também, segundo parece, calamitosa, pois a Lusomundo quase que detém o monopólio da distribuição, o que leva a uma programação seleccionada para a maioria das salas de cinema que detém. Já "Georges Sadoul, na sua «História Geral do Cinema», aponta a distribuição como condicionante da produção. Isto é: só a eficiência da primeira pode garantir a continuidade da segunda." São, por isso, enormes os riscos que correm aqueles homens que ousam ousar, sem a garantia de uma boa distribuição, e vão conseguindo, mesmo assim, ao longo do tempo, deixar rasto na história do cinema português. É na peugada destes homens, realizadores, artistas, fotógrafos, e das suas dificuldades, que eu vou realizar este meu trabalho sobre o cinema português, antes e após a República, e será minha interrogação permanente: de que forma contribuiu o cinema português para divulgar a nossa História? A problemática política e social do País reflecte-se também no cinema?
Ontem, como hoje, parecem ser muito idênticos os problemas que se lhe colocam. Mas, antes que em Portugal se vivessem os anceios de uma cinematografia própria, muitos outros homens ousaram sonhar e, de um encadeado de sonhos, tornaram possível a realidade histórica que hoje se vive. Por isso falo neles, ao iniciar. Como se passou do sonho à realidade.

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