"Para o historiador, tudo começa, tudo acaba pelo tempo (...) tempos múltiplos e contraditórios da vida dos homens (...) tempo social de mil velocidades, de mil lentidões." (26)
F. Braudel
CONCLUSÃO
Esta "abstracção do modelo" verifica-se porque a História nova o tem sido, mesmo inclusivamente "em relação aos trabalhos de Fernand Braudel e à escola da revista Annales". Essa é a principal diferença em relação às correntes anteriores. Talvez os historiadores actuais se encontrem, como os primordiais, em busca de um modelo que dê resposta à sua necessidade de historiar. E este historiar é novo porque o próprio historiador se põe em causa como "observador". "Deixou de falar sob o ponto de vista absoluto", quer ele fosse mitológico e heróico, como o faziam os "logógrafos", ou baseando-se em Deus como explicação e justificação das acções dos homens ou "o progresso da humanidade, a luta de classes".
Hoje o historiador tem que justificar a necessidade e a urgência dos seus trabalhos, porque o seu campo de trabalho passa-se dentro da "História dos povos e das mentalidades", por isso de difícil delimitação. E esta nova História está empenhada, ao mesmo tempo, na renovação do estudo contemporâneo - na História do presente, do quotidiano - e no estudo da História mais antiga, "na ideia que temos dos Hititas, dos Gregos e dos Romanos."(26) Afigura-se-me, de facto, um projecto tão ambicioso que revoluciona o campo das ideias. Possui um discurso novo, também "baseado em observações científicas muito seguras", e consegue, de facto, pelo "prazer do texto"(27), organizar-se como uma ficção.
Termino como principiei: "A História é a Vida", e não será a vida uma imensa ficção? Por isso, a História jamais terá fim, contrariando os paladinos que o anunciavam, como é o caso mais recente de Fukuyama. estaremos a viver precisamente um momento em que é necessário substituir a ideia de História porque a anterior findou? Mas isso é a prova mais evidente que ela está viva, novos fluídos irrigam as suas veias. A História continuará para além da transformação do tempo. Enquanto pulsar vida ao cimo da terra haverá sempre uma nova História que se anuncia.
Vivemos possivelmente o início de uma terceira guerra mundial; os direitos humanos estão a ser violados, povos dizimados, os regimes políticos foram abalados, cairam os muros, as "chagas" do comunismo estão patentes. A democracia enfrenta um desafio, é posta em causa; no horizonte novas formas de absolutismo, de censura, de fanatismos religiosos se vislumbram.
Nacionalismos, racismos, lutas tribais, fome, desemprego, desamparo na infância e na velhice, questões de fronteiras e ambientais, são todos os dias postas aos homens. As mais elementares regras éticas, quer no plano pessoal, quer no plano social, são violadas; existe uma falta de fé no progresso, nas próprias estruturas religiosas, quer elas sejam católicas ou saídas da Reforma. Verificamos que não dão provas, na prática, da bondade, fraternidade, inter-ajuda cristã. Pelo contrário, é nítida a necessidade de poder, de afirmação. Essas atitudes levam a surgir seitas, adivinhos, superstições, que alimentam a necessidade que os homens sentem de acreditar em algo.
E de um tempo de "mil velocidades" científicas que nos colocou perante todo este aparato bélico mortífero da guerra do Golfo, dos processos químico, biológico e de manipulações genéticas, sentimos que se poderá regredir para o obscurantismo, para um "tempo social de mil lentidões", se os homens não acreditarem em si próprios e não encontrarem dentro de si forças para mostrarem que é possível acreditar num mundo melhor, e partir para a sua construção com fraternidade.
Eis, para mim, a imensa tarefa que se apresenta à nova História, ao historiador: fazer com que renasça a forma como Políbio via a História, como "mestra da vida", para que, através dela, se faça luz na mente dos homens e verifiquem que, como dizia João Paulo II, em apelo à paz, "a guerra é uma viagem sem retorno".
Eis a justificação e a urgência do trabalho do novo historiador: contribuir para alicerçar um mundo de ideais fraternos e democráticos. E porque "não existe nada fora da História": (28)ajudemos nós todos e cada um, a edificação da nova História num sistema sempre em aberto, mas sem fim.
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Notas:
(26) - Le Goff, J., e outros, «A Nova História», pp.9.
(27) - Idem, cit. Duby, Georges, pp.43.
(28) . José Saramago, in entrevista de Fernando Dacosta, JL, nº 50, de 18 a 31/01/83, "Escrever é fazer recuar a morte é dilatar o espaço da vida."
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