Desanimado, quer que este lhe conte a verdade. Desesperado, parte para a frente da batalha; sentia que perdera aquilo que mais queria. Morreu. Roxane descobre a carta no seu peito. Cyrano diz a Christian que lhe tinha contado a verdade, e era a ele que ela amava.
Era necessário regressar, e fazer um prolepse, ou devo chamar antes uma elipse? Na verdade, como iria chegar o tempo de um filme, de uma peça, ou de um sonho para contar tão bela história? Por isso, eis que são passados quatorze anos. Roxane vive agora num convento, sempre fiel a Christian. Ali recebe a visita, todos os sábados, de Cyrano que lhe conta as novidades da sociedade da época. De Guiche visita-a, também, e pergunta-lhe por ele. Compara as suas vidas. Conta, então a Le Bret, que chega ao convento, que inimigos de Cyrano pretendem fazer-lhe mal. Assim foi: uma emboscada à traição. Le Bret não chega a tempo, e eis que uma trave lhe cai na cabeça! Ferido, muito ferido, é ajudado por amigos. Mas apercebendo-se que a morte está a chegar, teima em fazer a visita habitual. Mais uma vez teria que ver a sua amada. Anoitecia. Os longos corredores do convento já necessitavam de luz. As jovens noviças aguardavam ainda a chegada de Cyrano, que tardava nesse dia. Preparavam-se doçarias, boa comida na sua cozinha.
Mas eis que, mesmo doente, Cyrano surge e senta-se junto a Roxane. As lãs faltavam-lhe, e está entretida na sua tapeçaria. Demora a perceber que o amigo vinha doente. Quando dá por ela aproxima-se. Cyrano pede-lhe que lhe mostre a carta. Ela diz-lhe que sempre a trouxera junto ao peito. Cyrano finge que a lê. Sabia-a de cor. Ele a escrevera; as lágrimas aí caidas eram as suas. Mas o sangue era de Christian, diz-lhe. Finalmente reconhece a sua voz e descobre que fora ele que sempre escrevera as cartas. Era a ele que ela havia amado todo aquele tempo. Porque se calara? Não podia morrer, ela queria-o.
Chegam os amigos fiéis preocupados com a sua última aventura. O pasteleiro Rapeneau conta, como agora trabalha no teatro com Molière onde acende as velas, e como este aproveitara textos de Cyrano na sua peça "Scapin". E resultou bem a cena? Pergunta. Mostrando amor pelo teatro, pela literatura até ao fim. Sente que a morte o vem buscar. Continua, porém, a versejar, dizendo que esperava morrer de outra forma, mas vai ter com Sócrates e Galileu. Mesmo sabendo que ia ser vencido, conservava até ao fim o seu "penacho".
O sonho acabou. É em Picoas que estais. Escusado é chorar, porque Cyrano morreu, mas não morreu: ele vive em vós, na integridade, na beleza interior, superior à exterior, no amor infindo. Possível? Creio.
Voltamos ao séc. XX. Lisboa, 1991.
Sem comentários:
Enviar um comentário