sábado, 28 de janeiro de 2012

Uma Ida ao Teatro

Entre as primeiras aquisições humanas, à canção natural do rouxinol, respondeu muito prontamente o jogo sábio da flauta.

E. D'Ors

Uma Ida ao Teatro

Por quem devo começar? Por aqueles que me esperavam, para fazer as honras da casa? Seja! Eram os músicos.
A sala estava na penumbra nessa noite estrelada, fria. Então resolvi meter-me dentro dessa Cornucópia e escutar. Ouvi melodias longínquas.
Eis que são chegados; sobem e descem as escadas! São eles, os actores de Shakespeare! Fez-se luz e o que vi vos vou contar:
Uma mesa com uma bela toalha de brocado estampado, repleta de iguarias, copos e jarros torneados, de cristal arroxeado, para um banquete, concerteza. Assim era; Benedito já se servia: bebia o suco de uma ostra, e da boca deitava a pérola na concha.
«Tanto barulho por Nada»! Por nada? Então não vinha o príncipe de vencer e adiar a guerra? E os seus nobres militares, garbosos, com mantos dos mais lindos veludos, para receber os sorrisos das damas! E os louvores!?
Vi, então, o mau génio e a teia de intriga que o bastardo, irmão do príncipe, preparou, e que resultou! E como este se sentava na sua cadeira tão singular!
Vi os seus bobos "efeminados", com roupas a rigor do tempo, que salientavam os seus orgãos genitais! Mas mais! O baile de máscaras, onde todos e cada um descobriam os seus segredos.
Vi que as damas se compraziam nos enredos de amor, e que discutiam e vestiam as mais belas roupas, ousadas! Com seus corpetes cintados e os seios brancos, pérolas realçados!
Vi o gongo, a flauta transversal, tímbales, xilofones de cana, e, de vasos brancos de vários tamanhos, tambores!
Vi que os músicos ajudaram a vestir em cena os actores! Se o dia nascia, o sol subia; se a noite vinha, no céu mil estrelas se acendiam! Luz e sombra, sombra e luz, originaram um amor, uma acreditada traição! Mas não! Eis que as sombras se esvaem e a luz repõe as verdades. Estas vencem a mentira, a intriga, mas com a ajuda dos guardas da noite. E aqueles dois que se catavam um ao outro, sem cansaço, em carícia, em enlevo!
Os actores misturaram-se, durante o intervalo, com os "cortesãos", que fumavam, bebiam café e mascavam pastilhas, observando a graça que irradiava o bobo, de fato às listas! As suas posições, tão demoradas, tão conseguidas! Subiam e desciam escadas, como se estivessem em cena, e estavam.
Vi os guardas, e ouvi a sua retórica, principalmente a do gordo, porque o magrinho sempre o seguia e lhe obedecia!
Mas eis que me atrevo, e regresso à mesa dos convivas. Queria ver os pudins, os biscoitos, o rosado licor, tudo aquilo que irradiava ideologia, mensagem, forma de vida. Logo um artista, aquele magrinho que o outro catava, se aproxima de mim. Sim! O outro, mais atrás, trazia a lanterna, e eu vi-me rodeada: pertencia à encenação!
Eis as pancadas de Molière: pediam o regresso de cada um à sua representação.
E os pombos? E o papagaio a dar o "esplendor de veludo barroco"? E o caramachão de ternas rosas? Eis que a "realidade era agora a cores"; que belos quadros, que linda voz, a do "Cintra"! E Beatriz!? Sempre lhe respondia que não o queria; mas queria sim! Amava-o com paixão. Essa era a "preto e branco, mais realista".
Simulação já bastou aquela que o bom padre arranjou! E o Conde, junto à campa da sua prometida, rezou os mais lindos versos, daqueles eternos, que prendem o coração. Isso levou a que o governador de Messina lhe arranjasse uma prima da sua primeira amada para casar. Era, e não era.
Chegado o dia, que espanto, que alegria! Estava viva! O amor vencia a morte, a intriga, a mentira!
Vi que Beatriz também casou e parecia feliz.
Ouviam-se entoar trovas de encantar e melodiosos sons, extraídos de um cravo simulado por um orgão electrónico, complicado.
Vi que ali quem imperou não foi a corte absolutista. Não! Foi o eternamente amado Shakespeare. Foi o Teatro, a literatura, a música, o artista.

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