Em todos os actos criativos, quer eles sejam a pintura, a escultura, a dança, o teatro, o cinema, a música, a literatura, eu encontro e vejo história.
A História, para mim, é como o útero que nos envolve, o berço que nos recolhe. Este berço é a minha terra, onde nasci. A minha terra é o meu País. O meu País está inserido no mundo que nos rodeia, pertence a um cosmos, à Terra. Há como que um cordão umbilical que nos liga a vida inteira a essa mesma terra. Seiva que nos criou. A essa seiva dão os artistas toda a sua vida, o seu contributo. Senão vejamos atentamente qualquer literatura, seja grega, latina, francesa, inglesa, alemã, portuguesa ou outra. Ela é, muitas vezes, o retrato do passado mítico, lendário histórico. Dentro dessa história, cada acto criativo, cada ficção que se constrói, tem como que um compromisso para com ela. Creio mesmo que é instintivo. Serão os laços, ou raízes, que alimentam de seiva a criação. O mesmo se pode observar no cinema.
Para o cinema é transposta, através de um acto narrativo que se pode estruturar das mais diversas maneiras, a vida, inscrita num guião ou argumento. Logo, a vida é história, quer ela seja uma simples história de amor, passada entre duas personagens, que em nada tenham contribuído para mudar os rumos da História, quer sejam vidas em que isso efectivamente acontece, e que, através da prosa ou poesia, fizeram a ligação ao cinema, increvendo neste, tempos diferentes, passado que se projecta no nosso presente, que nos aponta o futuro.
Nesse passado histórico do cinema em Portugal, eu encontrei vários filmes através dos quais seria possível elaborar uma "construção" da nossa História, possibilitando visionar certos períodos. Senão, vejamos:
Poderíamos começar pela «Lenda de Miragaia» (1925), - de A. Cunhal e Raúl Faria da Fonseca -, desenhos animados em que se contam "as lutas do rei Ramiro contra o rei mouro", e que é baseado no «Romanceiro» de Garrett. Neste encadeamento poderíamos contar a formação de Portugal e as conquistas aos mouros, e as diversas batalhas que D. Afonso Henriques, D. Sancho I, D. Afonso II e D. Sancho II empreenderam, até possuírem as fronteiras que ainda hoje tem (mais ou menos) Portugal.
Seguidamente, escolheria o filme «Rainha Santa» (de 1946), com argumento histórico do Dr. Francisco Alves, e a planificação do realizador espanhol Rafael Gil, através do qual iria contar a história do reinado de D. Dinis, o rei "Lavrador", mas também o rei poeta, homem muito culto, que fundou a Universidade em Portugal em 1288. A influência que a Rainha Isabel de Aragão exerceu junto do rei nas suas lutas com o irmão D. Afonso, e, mais tarde, entre o seu próprio filho e herdeiro do trono de Portugal, D. Afonso IV. A fundação do hospital de Santarém para crianças, e, ainda, a lenda do milagre das rosas, motivada pela bondade que era atribuída a esta Rainha, que ficou apelidada de Santa Isabel. Em como foi neste reinado que se mandou plantar o pinhal de Leiria, que iria possibilitar a gesta dos descobrimentos. Mas não pararia aqui, porque logo teria à mão as fitas da história de Inês de Castro, que mais de uma vez foi narrada através do nosso cinema.
Escolheria a realização de Leitão de Barros, onde poderíamos visionar um D. Pedro I tão bem interpretado por António Vilar, que jamais se esqueceriam aqueles olhos de amor, e também de loucura, por aquela terrível desgraça a que foi submetido por seu pai, D. Afonso IV.
Inês de Castro chega a Lisboa em 1340, na comitiva de D. Constança, noiva do infante D. Pedro. Nesse mesmo ano, publicara D. Afonso IV várias leis, e, entre elas, havia uma contra o adultério. Mas as leis do coração são de ordem diversa, e aconteceu que o amor de Pedro e de Inês não foi aceite. A própria natureza parecia estar zangada e assolara Portugal com epedemias de peste. Mesmo D. Constança tendo morrido em 1345, após o nascimento do que viria a ser o IX rei de Portugal, D. Fernando, questões políticas, intrigas da Côrte, impossibilitaram D. Pedro de contrair matrimónio com Inês de Castro. Da sua união resultaram três filhos, que não alcançaram nenhum lugar de proeminência política.
Este tema seria o primeiro a ser escolhido como filme de reconstituição histórica pela empresa cinematográfica Ideal, em 1925. Deram-lhe o nome de «Rainha depois de Morta» (antecedia o filme de Leitão de Barros em vinte anos), o que o rei D. Pedro I anunciaria em Cantanhede, - casara com D. Inês de Castro -, corria o ano de 1360.
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