Passava então por ali o Inácio, para falar ao bom padre, voltando para a sua casa, não sem, também ele, ter vivido um sonho. Um simples sonho. Uns Braços que lhe faziam esquecer tudo, inclusivé de si. Tinha quinze anos Inácio, e D. Severina vinte e seis, mas esta era mulher de seu patrão, o solicitador, que, por ironia de todos os santos (os da casa de jantar), não tinha nada de solícito! Gritava a bom gritar com o rapaz. Ele vivia a pensar que um dia fugiria para não mais voltar. Mas não! Vivia preso à paixão pelos braços de D. Severina. Esta a princípio pensou: É uma criança! Porém olhando-o, verificou que nele despontava, contornando-lhe os lábios, um buçozinho. Sentiu-se lisongeada; ser amada por Inácio era, afinal, tão bom!
Contudo, esse amor "adolescente e virgem" não podia jamais revelar-se, pois havia as distâncias sociais. - Não, não era preciso dizer nada ao solicitador: ele era uma criança e, além disso, um inferior! Mas a paixão persistia, e Inácio acordava, inclusivé de noite, a pensar em D. Severina, e, se lia, todas as heroínas tinham o seu rosto. Esta também sonhava com ele; beijar os seus lábios, que tentação diabólica! Mas, mesmo assim, não resistiu e, pé ante pé, quando este dormia, ela, que não sabia que ele consigo sonhava e que a beijava, o beijou: aqueles lábios que anciosamente desejou! Depois sobreveio o medo. Seria que ele estaria mesmo a dormir? E o vexame crescia. Usou, a partir daí, um xaile que lhe cobria os braços, e Borges acabou por dispensar Inácio, que regressou a casa de seus pais sem se ter despedido daquela que fora o seu primeiro amor. Através do tempo, recordar-se-ia daquela sensação e diria sempre que foi um sonho.
Quem sonhava, também, era Um Homem Célebre, que todos conheciam por Sr. Pestana. Ele sra um compositor de polcas; estas saíam-lhe tão ligeiramente do piano, e com uma facilidade, que o tornaram famoso! Animava os bailes, tocava uma quadrilha a pedido, a todos satisfazia. Viviam animados nas danças da moda, que faziam sucesso para todos, menos para o Pestana, que se sentia vexado com esse fulgor. Ele queria era o dom de compor, como Beethovan, Mozart ou Chopin. Solteiro era; pensou que, casando, encontraria a solução: a inspiração; comporia então aquilo que sonhava. Mas não! Maria cantava na festa de S. Francisco de Paula; era viúva com vinte e sete anos. Pestana gostou da sua voz. Nessa musa pensou encontrar aquela composição que sonhava escrever. Porém, o piano, seu altar, recusava-se a dar-lhe algo de eterno, de belo: saía-lhe só Chopin! Desesperado entre a ambição e a vocação, vontade tinha que lhe passasse o trem por cima!
Maria morre, tísica; Pestana chora a desolação da sua morte, mas as suas lágrimas não são só de saudade, não: são também por ele próprio, que o Requiem deixou de parte, não conseguindo compor, e como compositor não se realizava, não! Procuraria outra profissão. Mas em vão! Ele era um homem a quem nem lhe era dado escolher o nome das suas polcas! Ao editor cabia essa missão. Por fim, cansado da busca, torna a compor polcas por encomenda. Era o primeiro no género, mas, não satisfeito, levava uma vida desolada, e, cansado, doente, diz uma única graça quando lhe encomendam as últimas polcas: que deixaria, então, uma para quando tornassem a subir ao poder os liberais.
Morre bem com os que adoravam as suas polcas e o estimavam; mal com ele mesmo, que queria algo que o eternizasse: aquela música, não!
Mas se ele morria zangado com o mundo, o mesmo não aconteceu com Quintília, A Desejada das Gentes, porque ela era alegre, a mais bela da cidade, por todos requisitada e amada. Se falava, com sua branda voz, um sorriso se estampava no seu rosto, e irradiava ternura e amizade. Decidida a não casar, não aceitava aqueles que a pretendiam. Era rica, bom partido, mas para nenhum ela o foi, pois escolheu viver sem partilhar o seu corpo com homem algum.
O seu espírito sim, partilhou, e amou a sinceridade, o carácter do conselheiro. Com ele fez pacto de não casar com ninguém e manter a sua amizade. Juntos, mesmo na doença de Quintília, ela deseja, por fim, casar com ele, que só a abraçou quando ela era já cadáver. Que causa secreta existiria nesta Quintília, que tudo levaria a pensar ser uma mulher para dar amor e amar, e preferiu viver a sua independência (egoisticamente?) sem pensar naqueles que sofriam por amor dela?
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