Amealhava o seu salário e pensava vir para a Corte gastá-lo. Deu-lhe um mês; decidira vir-se embora e comunicou ao vigário para lhe arranjar um substituto.
Porém, aconteceu que, numa fatídica noite de 24 de Agosto, quando o coronel em acesso de raiva ameaçava dar-lhe um tiro, e lhe atirava contra a parede o prato da comida, que achava fria, ele cansado, se deixou dormir. Eis que acorda aos gritos daquele, que parecia delirar, e lhe atirava a moringa! Este, sem conseguir desviar-se, apanhou com ela na face esquerda. A dor foi tão grande que, sem reflexos, em desespero, lhe agarrou o pescoço e apertou, apertou! Lutaram, mas depressa se apercebeu que o doente morreu! Gritou, abanou-o, nada: ele não voltou à vida. Duas horas até esteve na sala, sem ousar entrar no quarto. Que angústia! Não consegue explicar o que sofreu. Ouviu o doente a chamar-lhe assassino! Assassino!, Mas imperava o silêncio, a solidão! Maldizia a hora em que aceitara aquela missão! Crime implica castigo e ele esperava a prisão. Tinha verdadeiras alucinações!
Ganhou coragem, entrou no quarto, e que lhe fez então? Abotoou-lhe a camisa, e puxou-lhe a ponta do lençol ao queixo. Chamou um velho escravo e disse-lhe que o coronel tinha morrido de noite, que avisasse o padre e o médico. Ele mesmo amortalhou o coronel, com a ajuda do velho criado, meio cego, e só sentiu alívio quando viu o caixão fechado. As mãos tremiam-lhe e as pessoas diziam: coitado do Procópio! Apesar do que ele sofreu, ainda está sentido!
Ironia do destino, achava ele; quando tudo acabou respirou. Porém, a sua consciência dizia-lhe: não está bem aquilo que fizeste. Sofria palpitações, toda a espécie de aflições. Mandou rezar uma missa, pagou-a a dobrar e distribuiu esmola aos pobres; tudo para ver se esse algo superior, que dizem existir, se dignava perdoá-lo e aliviá-lo daquela pesada culpa. Porém, sete dias são passados e Procópio sabe, através de uma missiva do vigário, que o coronel lhe deixara toda a sua fortuna em testamento. Surpresa, um baque no coração, ironia da sorte? Não! Pensou logo em distribuir toda a fortuna; ficar com ela é que não era possível, não! Assim pensando, lutando dia a dia com a sua consciência, conversando consigo mesmo, questionava-se e respondia.
Teria sido em legítima defesa? Terá ele morrido da sua moléstia? Talvez sim, talvez não. Diálogos surdos permanentemente originava dentro de si. Uma rebelião! Mas arranjou coragem, e lá partiu para a aldeia. Quando lá chegou, verificou que todos o receberam bem. Eram de opinião que o coronel tinha mau génio e que a sua paciência tinha sido grande em aturá-lo. Pensava este homem então que talvez ele só durasse uma ou duas semanas; não era vida que se suportasse! Enfim, de si para si se ia ilibando da culpa. Quando recebeu a herança, pensou que distribuí-la seria uma "afectação"; por isso, resolveu ficar com ela e somente fazer algumas ofertas aos pobres e à igreja, um túmulo em mármore ao coronel, e, quanto ao mais, viver essa fortuna era sua intenção. Da culpa se livrou, e, tal qual deixou escrito, pensou, aqueles que possuem são os consolados, e, por isso os escolhidos e os bem-aventurados.
Sem comentários:
Enviar um comentário