Também Peirce não aderiu ao sujeito de Descartes, recusando-se a aceitá-lo como possível de alcançar pela intuição, uma vez que, para ele, o sujeito não preexiste como um dado adquirido: ele é construído, assim como o mundo, conferindo importâncias equivalentes às problemáticas da subjectividade e da objectividade. Posto isto, o verdadeiro problema é saber como é que ambos, sujeito e objecto, se conjugam, ou seja, que parte do sentido cabe ao sujeito e que parte cabe ao texto, ou se não reside nem num nem noutro, uma vez que, na realidade, o conteúdo os transcende no momento em que se confrontam. A noção de sentido atrás apresentada, e atribuída a Peirce, aproxima-se bastante da sua "semiosis ilimitada", segundo a qual o interpretante é um signo, tal como o próprio sujeito, o que se pode inferir da seguinte expressão de sua autoria: "O conteúdo da consciência, a inteira manifestação do fenómeno mental é um resultado da inferência, e, dado que todo o pensamento é um signo externo, o próprio homem é um signo externo." Este conceito atenua manifestamente a oposição sujeito/objecto, estabilizando, assim, o processo da "semiosis ilimitada."
Sendo essencialmente crítico, este discurso balanceia entre a interpretação tradicional, um paradigma objectivo em crise, e a apreensão da possibilidade de se firmar um "puro subjectivismo", considerando a autora que a intenção de ver a obra de arte como "obra aberta" tem que ver com uma certa tendência da democratização da cultura e da arte nos tempos modernos, que conviria, de certo modo, ao senso comum, vindo acentuar o lado subjectivo do paradigma, enquanto uma versão mais crítica o apresenta antes como interaccionista. Pondo de parte o autor e o sentido da obra, o leitor torna-se o único crítico e intérprete da mesma, uma vez que nem o próprio crítico lhe dá garantia de interpretação fidedigna.
Apesar de um modelo interaccionista não parecer inovador, uma vez que agrega "elementos e categorias já conhecidos", não se podem desqualificar os autores empenhados na estética da recepção, uma vez que promoveram a obrigatoriedade de investigar e de pôr em questão os anteriores discursos da crítica literária, sobretudo na relação obra/leitor, contra as relações internas da obra, demarcando-se, assim, dos formalistas e estruturalistas.
Resta a interrogação de saber se esta estética da recepção consiste ou não num novo paradigma, uma vez que este modelo parece frágil na sua aplicação quer na análise da obra em si, quer na projectada História do leitor, sugerida por Jauss. Sendo dado a este conceito de paradigma todo o "sentido que lhe é aplicado pelos estudos literários" neste artigo, não acentuando nele, porém, a noção de revolução de Kuhn, - que Margaret Masterman considera ter sido praticamente posto de lado, uma vez que as humanísticas lhe reconhecem "cada vez menos um valor explicativo" -, mas acentuando, sim, a noção de crise que lhe está relacionada e que marca um retorno às raízes, ao modelo original, motivado pela impossibilidade de uma linha contínua em relação ao nosso conhecimento, surge a noção de paradigma, uma vez que tal conhecimento se obtém através de uma cadeia complexa de modelos anteriores, actuais e posteriores que coexistem mesmo sem a possibilidade de se traduzirem uns nos outros, mas que são a sua base.
Surge, então, a questão de como se processa esta descontinuidade da nossa razão, que nos leva a perguntar como é possível a ligação dessas "brechas", sugerindo a autora ser esse o papel de uma estética da recepção, visto que não virá trazer novos modelos operacionais, mas sim uma reflexão profunda através dessa abertura de brechas que irá provocar um discurso crítico.
A História do leitor não se concretizou, nem se verificou uma maior utilização de modelos, como por exemplo os de Iser. Os que foram deixados pelos formalistas e estruturalistas (Propp, Greimas, Barthes) são, segundo a autora, causa de insatisfação, e serão usados quase exclusivamente em textos nos circuitos escolares. Contudo, a recusa de se ver a estética da recepção como um paradigma, levaria a reconhecer-lhe "o privilégio de um discurso finalmente livre", o que não poderá verificar-se, porque, se lhe fosse dada essa liberalização, seria correr-se o risco de neutralizar a linguagem e de a própria crítica literária e estética perderem a sua autonomia, levando a que, por esse motivo, se refira como paradigma.
______________________
(continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário