Se a crítica é, por si mesma, uma introspecção, originada por uma nova maneira de observar e indício de brecha, que será, segundo a autora, o "primeiro sintoma" de abertura de um novo espaço no qual poderia vir a surgir um paradigma, este seria, então, apelidado de interaccionista, porque ao designar-se paradigma comunicacional poderia evocar Jakobson e o seu modelo de comunicação. Porém, numa estética da recepção o que está em questão "é a relação entre o texto e o leitor", na qual já não tem importância que o emissor e o receptor estejam em consonância quanto ao sentido a dar ao texto. Não sendo só o emissor a dispor do sentido da obra, funcionando o receptor como coproprietário desse mesmo sentido, então não se pode falar em modelo de comunicação. Por esse motivo, a autora opta por chamar paradigma de interacção que comporta tanto o objecto como o sujeito numa situação que pensa colocar em perigo a própria independência de ambos, uma vez que a significação resultante da obra será modificada por cada novo leitor e cada um deles possuirá a sua autenticidade. Será este sujeito que a estética da recepção põe na ribalta - não o que interpreta, o que pesquisa - mas o leitor envolvido. Como funciona este sujeito, de certo modo de "categoria impura?" Impura porquê? Porque, segundo a teoria da razão pura de Kant, "sem a sensibilidade nenhum objecto nos seria dado, e sem o entendimento nenhum seria pensado.". Somente da união da sensibilidade com o entendimento pode sair o conhecimento; se o sujeito/leitor pensar com o seu entendimento (a posteriori), o objecto/obra, e lhe atribuir um sentido, a este faltar-lhe-á a sensibilidade (a priori) que, por princípio, será pertença do sujeito/autor; por isso, uma razão impura, assim como, segundo a autora, mais do que verificarmos a impossibilidade do conhecimento, para além do transcendente, imposto pelos limites da razão, "se trata aqui de pensar um sujeito" que está dependente de circunstâncias que põem em risco a sua própria maneira de ser, visto que pode ser influenciado quer pela obra, quer pelo momento histórico em que essa leitura é feita.
Esta crítica do sujeito não foi descoberta pela estética da recepção: vem de longe a ideia de sujeito e objecto construídos; porém, não se pode ignorar as questões postas pelo discurso linguístico e psicanalítico para os quais o sujeito "é, sobretudo, um produto da linguagem e da ordem do significante."
O estruturalismo pensou o sujeito de um modo "esfarelado", que, "trabalhado pela linguagem", era fixado no texto e não exteriormente, permitindo, porém, uma crítica de autonomia do sujeito. Qual é, então, a novidade que pretende a estética da recepção? É que o sujeito surge exterior ao texto. O ponto de ruptura sujeito/obra é, então, o da constituição do sentido, que passa a ser dado através de um intercâmbio entre obra/sujeito, com determinantes do texto e outras do sujeito, que se projecta na obra com os seus sonhos e maneira de estar no mundo.
Se o texto deixa, assim, de ser portador do sentido dado pelo autor, na crítica estruturalista, para ser a sua própria produtividade (no sentido de Kristeva), então temos, segundo Iser, dois pólos: o artístico, que tem que ver com o texto criado pelo autor, e o estético que é concretizado pelo leitor. Sendo assim, a obra fica sem identificação plena, uma vez que fica entre os dois: texto/realização do texto. Ficando entre os dois, não pode ser nem sujeito nem objecto; passa a deixar de existir e a acontecer, no momento em que se dá "o encontro do leitor com o texto".
O reconhecimento de uma alteridade entre sujeito e texto, para que se possa falar em interacção, leva forçosamente a que o leitor seja identificado com um sujeito num tempo histórico. Deixamos, assim, de ter um leitor virtual, para se passar a pensar o nosso próprio encontro com o texto. Portanto, aqui a novidade do leitor é a de "fazer descobrir a leitura". Obriga a pensar um leitor empírico e não uma categoria, um possível leitor que irá, na sua leitura, ao encontrar-se com a obra, dar-lhe um sentido, que será, assim, relativo, porque fica submetido ao sujeito "historicamente situado" e ao acontecimento (que é a leitura), sendo então o texto uma eterna novidade, porque cada leitor é um imprevisto, cada obra pode renascer a uma nova luz, observada por uma nova perspectiva.
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(continua)
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