domingo, 25 de março de 2012

As Sempre Vivas - Várias Histórias

Talvez A Causa Secreta seja aquela que encontramos na duplicidade de Fortunato, que se comprazia na dor, aliviando-a com todas as posses da fortuna e mezinhas ao seu alcance. Teve ele a sorte de encontrar, para casar, uma Maria Luísa, que era esbelta, airosa, olhos meigos e submissos. Porém, poderia ela amá-lo? Eram tão diferentes! Resignação, respeito, ou temor, que sentia Luísa pelo Fortunato? Não queria que ele fundasse a casa de saúde; porém, "não ousou opor-se-lhe e curvou a cabeça."
Experiências, mais experiências fazia Fortunato no seu laboratório. Queria agradar a Garcia, o médico, seu sócio e amigo, a todos curar. Desfazia-se em desvelos, prontificando-se a ajudar. Mas um dia houve em que Garcia conseguiu descobrir o segredo daquele homem. Foi quando entrou no seu gabinete, saía Luísa gritando! O que viu mostrou-lhe, então, que Fortunato era lunático e sentia prazer no sofrimento dos outros. Torturava um rato, lenta e deliciosamente, pezinho por pezinho, cortado, queimado, tudo porque este lhe havia comido um certo papel! Luísa nervosa e doente, desculpou-se perante o amigo da casa, que era mulher, e sentou-se, então, mais calma, após semelhante cena, "à janela, com suas lãs e agulhas".
Garcia começou lentamente a amar aquela frágil criatura; porém tudo ficou no silêncio. Luísa era comprometida, e, se deu conta e o amou, nada demonstrou, proibido era gostar de outro homem! Doente, tossia, depressa morreu. Nessa noite de vigília, Garcia não se conteve e, beijando-a, chorou esse amor impossível. Fortunato, que se tinha ido deitar, a repousar um pouco, após aquela longa agonia, regressando, assiste surpreendido àquela explosão de dor do amigo. Seria o caso de que teriam sido amantes? Isso não o preocupou: não era ciumento, nem invejoso, mas era vaidoso. Que sabor, senhor, ver o amigo sofrer aquele irremediável amor desesperado! Foi longo, longo, o prazer, imagine o leitor! 

Ao longe ouviam-se os sons de um Trio em Lá Menor, quatro andamentos; que bom sonhar! Seguia-se uma sonata ao piano. Por entre os vidros daquela janela, donde partiam entoados sons, outra mulher sonhava como seria o seu amor. Teria ela melhor sorte que Maria Luísa? Pensava, de pernas traçadas, sentada na sua cama. Tinha dois pretendentes; ambos lhe eram simpáticos: Maciel, jovem de vinte e sete anos; Miranda ia já nos cinquenta. Tudo faziam para lhe agradar. Contudo, Maria Regina, inconstante, não sabia para que lado tombar. Já no colégio a apelidavam de "esquisita" e "desmiolada"; ela, porém, sonhava, sonhava! Bom coração tinha ela, mas também muita imaginação. Gostava dos serões animados, em que se tocava uma sonata e se conversava sobre música enquanto a avó dormitava. Regina apoiava as opiniões de Miranda. Maciel, de lindos olhos, concordava com os dois.
Certo dia, porém, uma peripécia se dá, que revela a Maria Regina o carácter, o herói que é Maciel! Parece que não mais há a hesitar entre os dois: há que escolher. Maciel era valente, segurou os cavalos para salvar a criança de ser atropelada! Maria Regina fez-lhe o curativo da mão; que linda mão ele tinha! Ansiosa, esperou pela noite para o tornar a ver. Já pensava: onde arranjava eu melhor noivo? Porém, a conversa de Maciel com a avó àcerca de todas as trivialidades da sociedade local, que Maciel adorava, mostrou-lhe uma pessoa totalmente diversa, e Maria Regina desgostou-se do pretendente. Nisto, aparece Miranda, a quem contam o acidente dessa manhã. Este emite semelhante opinião, que revela ser "egoísta e mau"; por outro lado era fino e amava a música! Maria Regina completava um com o outro. Espírito musical de Miranda, beleza e juventude de Maciel. O som melodioso da sonata para piano, completava a "ficção".
Assim se passou o tempo. De tanto esperarem e sofrerem, ambos se detestavam, e Maciel, seguido de Miranda, escassearam as visitas, até que desapareceram. Passaram-se as noites, os dias. Maria Regina estava sozinha; sentia, porém, que essa noite era clara, bela e fresca; junto à sua janela espreitava o céu, para ver se descobria uma estrela dupla num só astro. Em vão tentou descortiná-la! Espírito e beleza num só astro? Virou-se para si. Dentro de si buscava aquilo que fora  não encontrava. Lá estava essa estrela dupla que em si irradiava! Ao princípio assustou-se; porém, depois deitou-se e sonhou que era sua sina oscilar entre dois astros incompletos, ao som da clássica sonata. Afinal, não era possível obter um astro explêndido: a alma humana é dúbia e complexa!            

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