Defesa de causa essa que desde o princípio ao fim do livro nos parece inclinada no sentido de visar principalmente o ensaio de Eduardo Lourenço sobre a suposta "contra-revolução" que a "Presença" teria representado relativamente ao "Orpheu", como refere o autor no início do post-scriptum. Todas as referências que são feitas visam principalmente orientar para um reconhecimento do "Orpheu" na "Presença" e que esta só é designada como segundo modernismo por se ter seguido, em data, ao primeiro, "e não por razões de subalternidade", como bem frisa o autor.
Para conseguir o objectivo que se propõe, Eugénio Lisboa começa por nos dar uma ideia de como o mundo, após ter conhecido um período de fé na razão humana, apoiado na filosofia mecanicista e metodológica de Decartes, e na ciência e progresso do optimismo da corrente positivista do filósofo Augusto Comte, vê soçobrar esse ideal de felicidade e de ordem no Universo com a terrível "hecatombe" de 1914-1918.
Era "o começo de uma sombria viragem para o mundo ocidental". É precisamente nesta altura que surge em Portugal o grupo Modernista do Orpheu, que o autor classifica como um "abalo sísmico" e refere que "mais do que uma simples aventura literária (...) foi um modo de viver e de morrer (...) de um grupo de homens que ousaram ousar" ... "Eles cultivaram o paradoxo... Eram o próprio paradoxo."
Essa juventude europeia vivia uma profunda falta de objectivos, sentia-se, na opinião de Eugénio Lisboa, "traída", e vai responder irracionalmente, com toda a força dos Manifestos e Ultimatos, contra tudo o que era caduco e constituía a sua desilusão. Álvaro de Campos, heterónimo de Pessoa, manifestar-se-à igualmente: "Mandato de despejo aos mandarins da Europa!" E o autor continua a dar conta aos leitores da forma como a inteligência portuguesa tinha reagido à agressão desse pesadelo em que se tornou a segunda guerra mundial e à quebra de valores morais, que levou ao cepticismo. Remete-nos, então, para o que José Régio mais tarde dirá: "são jogos", assim como se referirá à arte de Sá Carneiro apelidando-a de "mascarada sinceríssima".
Os "pioneiros do Modernismo" tinham como programa "desorientar, indisciplinar, (...) entregavam-se à vertigem das sensações, à grandeza inumana das máquinas". Almada Negreiros é citado como detentor de uma prosa "espantada e cruel": «E é viver que é impossível em Portugal,» dirá em 1926.
Almada, como nos diz o autor, revelava-se contra o adormecimento em que se vivia e reagia, escrevendo: "Portugal, que foi quem iniciou o mundo moderno, é o único país do Ocidente que não está 'à la page'". Pugnava então por uma literatura não academizante, assim como já o havia feito Eça de Queiroz cinquenta anos antes, ao escrever: "Não é uma existência, é uma expiação (...) o País está perdido". Vivia-se então "uma situação em tudo idêntica". Contra esta situação reagiram estes homens "pelo escândalo e pela provocação". Almada Negreiros, diz-nos o autor, levará a provocação ao ponto de fazer a apologia da guerra no seu Ultimatum Futurista, quando se vivia em "agonia" pelo consequente desastre que ela provocava nos "espíritos europeus".
Todo este "desaforo" fazia parte da estratégia para impor o modernismo. Porém considera que, apesar de todo este "jogo" e "mascarada", e desta escrita "espantada e cruel", não conseguiram os homens do Orpheu levar por diante os objectivos que se propuseram, apesar de terem tentado em vários títulos publicados. "O espectáculo fora intenso e fulgurante, mas breve e, em muitos casos mortífero", referindo os suicídios dos "actores" que participaram nesta "aventura fulgorosa": um, simplesmente suicidou-se; outros fizeram-no simbolicamente na loucura; um, num "estranho acidente" de automóvel; e um outro, no silêncio ou nos "copinhos de aguardente(que não matam mas ajudam)".
Logo de seguida o autor vai conceder honras, louros e primazias à "Presença," pois foi a ela que coube "valorizá-los, impô-los", dar-lhes o reconhecimento a que tinham direito: "o Orpheu foi uma invenção da 'Presença' que o construiu. Tinha sido preciso surgir uma "geração que não temia ser inteligente e cautelosa, para que os louros de ontem se convertessem nos mestres de hoje."
Seria o grupo da "Presença" que iria então "conquistar", com toda a sua "personalidade a um tempo criadora e crítica, (...) através de uma dialéctica persuasiva, o público", que tinha, segundo o autor, sido "traumatizado" e depois "esquecido". Revelar-se-iam, assim, "à altura de uma tarefa que o Orpheu iludira," uma vez que este "não mostrou possuir vocação pedagógica". "O grupo de Régio," diz-nos o autor, "herdando a loucura e o tumulto dos homens do Orpheu, entendeu resistir e durar; à loucura e à fúria iriam eles impor uma disciplina, uma resistência." Para que lhes fosse possível "resistir e durar", verificamos, através do que Eugénio Lisboa nos diz, que "os homens da 'Presença' aceitarão algumas normas, algumas condicionantes." Porém, "são constrangimentos livremente recebidos, travões conscientemente assumidos, disciplinas fecundas, que eles fazem questão de tornar estimulantemente produtivas." Assim a geração da 'Presença', e o autor cita Casais Monteiro, "cola-se, desde o início, na esteira de uma 'revelação' anterior e, em vez de reinvidicar louros para si, pede-os, exige-os para as grandes figuras que tinham criado, por altura da primeira guerra mundial, uma nova visão da literatura e aberto novos horizontes aos seus meios de expressão."
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(continua)
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