segunda-feira, 19 de março de 2012

Teoria da Literatura (VULCÕES)

(Vulcões)
A palavra em si - vulcões - de imediato nos dá a imagem de algo que irrompe das entranhas da terra sem aviso prévio; sem limites, estremece-a a lança lava e chama, qual boca de dragão incontrolável.
Eles são fenómenos que o homem ainda não controla. Sobre os quais não tem previsões certas. Outra imagem, é o memorável desastre de Pompeia. Quando o Vesúvio em actividade sepultou para sempre uma cidade em plena efervescência. Vemos os amantes que enlaçados ficaram, e permaneceram para a eternidade, soterrados na lava do vulcão, e séculos depois libertos, quando retirados os seis metros de cinza, que qual lençol os cobriam. Por tudo isto que a nossa percepção nos dá, ao ler o título do poema, de imediato se forma a ideia de que o texto nos quer conduzir para algo que podendo ser destruidor também pode ser ao mesmo tempo, força pujante de criação e amor, e corte radical, fazendo olvidar o passado, mesmo que a fogo o futuro se imprima
Fala-nos em "profecia", e em como ela "se faz sempre a nível da linguagem". Profecia, como anúncio conjectural, quase oráculo, que se enuncia de forma "cifrada" por números. Vaticínio que se torna por vezes de difícil decifração. Mas é a ler que a descodificação se vai fazendo. O inigma como que se vai revelando e ocultando ao mesmo tempo. E as sucessivas leituras, mostram-nos da face oculta uma réstea de luz, permanecendo na sombra aquilo que não é revelável, ou que o excesso de cultura, impede de ver, quando simbolicamente se enuncia na mensagem.
O autor cita o exemplo do Apocalipse, como texto de linguagem cifrada, e enunciada numerologicamente. Nós, presentes na aula, sabemos, porque sempre nos disseram, que "bem aventurados são aqueles que guardam a Palavra da profecia", e que acreditam: "Eu Sou o Alpha e o Omega, o Princípio e o Fim, o Primeiro e o Derradeiro". E esta será a revelação que se mostra àquele que acredita, e guarda a Palavra. Simplesmente acredita. E de facto, este é o melhor exemplo, de que não se necessita de possuir uma vasta cultura para ascender à revelação. Essa cultura pode, inclusive revelar-se impeditiva, porque crer é aceitar o mistério, sem procurar intentar a sua decifração plena. Por isso revelação pode ser "puro espaço de contradição", e conter em si, "as dimensões do símbolo", sem descodificação. Contradição, porque o símbolo e a revelação serão aceites sem questionação. Como que neles cabendo a razão e a intuição, ou, se quisermos, a fé na criação. Essa fé permite o irromper do vulcão, tal como aconteceu quando Nietzsche, tentou e criou de novo, pela imaginação "o mistério grego", aquilo que a excessiva decifração da cultura grega, não tinha obtido.
A profecia é então ilimitada. Vai de menos infinito a mais infinito, o que proporciona a imensidão da liberdade na criação, ela mesmo contradição. E ao ser contradição, pode conter em si a orgia de Dionísio e a contenção e beleza de Apolo. Pode infinitamente encontrar Sófocles e Ésquilo, como força incandescente de criação, chama ardente de vulcões em permanente combustão. Eterna inspiração, fonte de novos mundos.
Eis o que é a literatura: vida e morte, contradição que, mais não é que a libertação plena da imaginação no acto de criar.
Ao finalizar, esta aula de teoria, queria dizer que mesmo que a criação literária seja à medida infinita do homem, ela existe e vive pela linguagem. E como tal pode ter uma sintaxe própria, e uma ampla semântica adaptável a esse "jogo" imprevisível, que é a literatura.
Sausurre, signo a signo, lançou a semente, ou ela já existia larvar, das bases deste estudo teórico. Linguística e filosofia que de mãos dadas, creio, sempre estiveram subjacentes ao estudo da literatura, "num excesso de cultura". Um canon a que Ésquilo e Sófocles obedeceram, e que lhes permitiu, assim como a S. João, e a Nietzsche, porque não, serem vulcões, (Vulcões)... "transgressões", vivas pulsões.  
E são essas que a teoria quer captar, corpo e alma do texto.

Lisboa, 26 de Maio de 1993.    

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