Porém, o autor diz-nos que a Presença, quando divulgou e promoveu os companheiros mais velhos do primeiro modernismo, o fez "sem espírito de academia fechada ou cenáculo reservado", porque o artista, segundo o código, "liberto da Presença, não aceitava mandatos externos: acolhia os que livremente escolhia por convirem ao seu génio próprio." Mais adiante o autor diz-nos: "A Presença fez a leitura que pôde, sendo ela o que era, e sendo o Orpheu o que foi."
Assim surge a Presença junto do leitor, no livro de Eugénio Lisboa, com todo um historial repleto de adjectivos qualificativos, no qual o autor se esmera em sua defesa e propaganda. Reforçando a sua tese, cita José Régio: "Nasceu a Presença com o fim de criar em Portugal, uma publicação onde colaborassem aqueles artistas que, principiantes ainda ou já consagrados perante uma élite, eram hostilizados pelo público, pelos editores, pelas outras folhas, sob a acusação de Futuristas. Este é o primeiro esquema do nosso programa."
Foi assim que, em Coimbra, a 10 de Março de 1927, surgiu ao público a revista Presença - Folha de Arte e Crítica, que irá durar até Fevereiro de 1940, nela participando um grupo de homens, dando o melhor do seu esforço e empenho intelectual. "Andavam todos à volta dos vinte e cinco anos (...), mais jovens que Pessoa uns dez anos," diz-nos o autor.
Já antes tinham participado em outros empreendimentos literários: nas revistas Byzâncio e Tríptico, idênticas à Presença, porém ambas com um reduzido número de publicações; por isso de vida efémera. Realmente, em questão de tempo, a Presença irá suplantar-se e durar treze anos. A sua primeira cisão interna dar-se-á em 1930, quando Adolfo Rocha (Miguel Torga), Edmundo Bettencourt e Branquinho da Fonseca se afastaram da revista. Eugénio Lisboa considera que esta cisão é, "a nível de história de 'mestres e discípulos', pura 'petite histoire' sem grandeza nem verdade." Os seus alicerces irão ruir mais tarde devido a ataques que surgirão na imprensa através do semanário lisboeta O Diabo e da revista portuense Sol Nascente, que vão originar ou agravar, segundo o autor, as desinteligências entre os seus directores e colaboradores, nos quais também já se notava "um genuíno desejo de emancipação e evolução." Tal evolução irá traduzir-se na vasta obra de José Régio e em toda a colaboração crítica e criativa, que noutros jornais e periódicos irão manter vivo o espírito dos presencistas.
Espírito esse que o autor realça nas "linhas de força" que orientaram a revista e que José Régio lançou no seu artigo"Literatura viva", onde punha em causa toda a literatura de "retórica sediça", assim como o problema de se "substituir a personalidade pelo estilo."
Pelo amplo programa proposto pela Presença, "torna-se difícil hoje compreender" todas as "acusações" de que a revista foi alvo ao longo do tempo, classificando-as o autor de "deliberadamente redutoras" e "um acto de 'des-leitura'". Refere então, certas críticas e expõe a sua defesa, acusando que, em certa medida, se passou "ao lado das verdadeiras intenções dos textos publicados". Volta aos artigos de José Régio, que considera como tendo "um grande ascendente intelectual sobre os seus companheiros de tertúlia" e exemplifica como o grande expoente da Presença considerava que era a "paixão" que inspirava a "Obra de Arte", quer ela fosse "infamante" ou "nobre". Ao longo de toda a colaboração na Presença, José Régio dará ao lume artigos sobre Dostoiewsky, Ibsen, Marcel Proust, Stindberg, Pirandello, Shaw, Gorky, Bergson, Flaubert, etc.. Analisará também autores portugueses como artistas detentores de uma estética: António Botto, Fernando Pessoa, Almada, Sá-Carneiro, e tantos outros, mostrando, como o autor nos faz verificar, toda uma teia complexa em que vinham expressas as suas ideias de independência na análise da sua obra de arte. Esta abrangeria toda a complexidade e inquietação da vida, lá cabendo o homem na sua plenitude, através de uma estética, que, sendo clássica, poderia ser moderna, uma vez que Régio considerava que ser clássico era conseguir escrever numa harmonia perfeita, e, por esse motivo, o clássico interpenetrava a modernidade. Concluindo com artigos publicados mais tardiamente noutros jornais (1946/1956) e que patenteiam a ideia do principal mentor da Presença.
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(continua)
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