CRUZ, Maria Teresa, «A Estética da Recepção e a Crítica da Razão Impura», Revista de Comunicação e Linguagem.
RECENSÃO
O texto «A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO E A CRÍTICA DA RAZÃO IMPURA», de Maria Teresa Cruz, está dividido em cinco partes, intituladas: "Poesis" - "Aisthesis"; Relatividade e Incerteza na crítica Literária; Um Paradigma Interaccionista; Um projecto Historicista e Humanista; A "Aisthesis" e o Encontro com a Questão da Teoria; ao longo das quais expõe a sua perspectiva relativamente aos eventuais problemas e benefícios, que terão causado o aparecimento de uma nova forma de crítica literária identificada com a "estética da recepção".
Começa por referir que, ao longo dos anos 70, se notou uma certa viragem na crítica literária, a qual deixará de ter como objecto unicamente a obra, para se debruçar preferencialmente sobre a análise conjunta sujeito/objecto, em que o sujeito assumirá o papel do leitor e o objecto o da obra. A esta corrente aderiram não só os considerados seus fundadores (Jauss, Iser, Stierle,...) como outros autores (Barthes, Genette, Hifaterre,...), que, apesar de se situarem numa área estruturalista, do ponto de vista crítico, se preocuparam igualmente com a perspectiva do leitor.
A linha principal "desta mudança é, talvez, a passagem da problemática da produção ("Poiesis"), que centrava a sua crítica literária na obra, para uma problemática de recepção e do confronto com a obra ("Aisthesis"), recolhendo no seu seio uma herança original grega e, mais nos nossos dias, a estética de Kant. A obra vai passar a ser como que recriada pelo leitor, que passará, por sua vez, a produtor. O antigo dualismo autor/obra sofreria, assim, uma tentativa de dissolução, uma vez que o leitor/obra, no limite, se confundiria com o autor/obra. A obra passaria, assim, a ter um sentido que seria de coautoria, ou seja, produto de um autor que lhe deu forma e de um leitor que a descodificou; neste caso o sentido deixa de ser dado, pois a obra deixa de ter existência sem um sujeito (leitor) que lhe dê um sentido.
A situação atrás descrita sugere a existência de uma "crise do paradigma objectivista", que terá gerado uma "fase de profundo criticismo". Aquilo que aconteceu com as ciências físicas estará agora a passar-se com as humanidades, pondo fim ao dualismo cartesiano matéria/espírito, que regeu toda a ciência até ao final do séc. XIX. A observação pessoal, com suporte nas teorias de Einstein, veio condicionar e pôr em causa a interpretação da realidade, não só no referente à matéria, espaço e tempo (ciências físicas), mas, agora, também às ciências humanas, que passam a ser consideradas "uma realidade cuja verdade e sentido existam de forma autónoma", uma vez que o seu objecto não é mais que o "próprio sujeito" que se destaca do objecto. Nesta perspectiva é, assim, "mais fácil" desviar a atenção do objecto para a interacção entre o sujeito e o objecto, não sendo "por mero contágio metodológico que as ciências humanas" estão a viver uma fase idêntica à que "abalou" as ciências físicas, quanto à relatividade do conhecimento e à dúvida. O tempo vivido anteriormente originou este momento actual de "auto-avaliação" e reflexão, "sobre como sabemos" e não "o que sabemos". A teoria do conhecimento de Kant prevalecerá, assim, sobre Descartes. A modernidade acredita ainda, no entanto, que a realidade pode ser interpretada à luz da razão cartasiana, mesmo depois do criticismo kantiano.
Porém, "a razão, como sujeito deste processo", é formadora (e não formada) do mundo e das suas representações, visto que se assume anterior àqueles. A autora diz-nos, então, que a reflexão, que sinuosamente penetra "nas ciências humanas, é contra esta razão e este sujeito", formador e não formado, uma vez que, ao contrário do sujeito de Descartes, que se impunha ao objecto, esta reflexão nos traz um sujeito kantiano, em que se aceita que o objecto, antes de o ser, é pensado pelo sujeito, reflectindo, portanto, o objecto esse mesmo sujeito, deixando de ser aceite, na análise de um texto, o sujeito cartesiano.
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(continua)
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