terça-feira, 20 de março de 2012

AS SEMPRE VIVAS

Uma História das Várias Histórias, de Machado de Assis

Introdução 

I

Será isto uma introdução? Porquê começar assim? Afinal, já tinha uma introdução escrita, prevista, inserida no contexto, falando dos vários tipos de narradores, omniscientes, relativos, personagens, peripécias que narram sobretudo, como o encontro do "acaso" inverte as coisas, carateres que levam a praticar os actos (o amor, o ciúme, o ódio, a paciência, etc.), as várias paixões, pontos de vista, e tantas coisas mais, presentes nos contos, de que me proporei, no entanto, falar mais adiante. Mas, porque o acaso aconteceu, fez com que tudo o que tinha escrito passasse para segundo plano. Que acaso foi esse?
Estava eu presente no concerto desta noite (11 de Junho 1990), na Escola de Música do Conservatório Nacional. e, enquanto ouvia alunos e professores, era este texto que eu escrevia. No hall de entrada, assim como no tecto do salão nobre, um retrato de Garrett logo de imediato me levou a "viajar" pelo mundo dos contos, dos romances, da vida e obra desses autores que foram Machado de Assis e Garrett, que, tanto um como outro, amaram certamente a música (como eu). Ela está presente na sua obra, como esteve na sua vida. Mas a que propósito vem o concerto? Que tem este a ver com as Várias Histórias, de Machado de Assis? Tem. Sabeis porquê? Porque a música está entrelaçada com a palavra, presente em todos os seus contos. Senão vejamos: na Cartomante: "mas as palavras estavam decoradas (...) eram-lhe murmuradas ao ouvido, com a própria voz de Vilela (...) tinham um tom de mistério..., voz , murmuradas, e tom, leva-nos de imediato a uma ideia musical. Mas continuemos: "A Cartomante, alegre com a paga, tornava acima, cantarolando uma barcarola."
Era em tudo isto que eu pensava quando ouvia a «Música para o Túnel», composta e interpretada por Paulo Brandão e pelo grupo vocal "IDEA", dirigido pelo mesmo professor. Esta composição feita propositadamente para uma peça de teatro intitulada o Túnel, sugere a ponte entre a vida e a morte, ou seja, tem como história esta peça, a morte de dois rapazes num túnel de combóio, e que se recusam a morrer. Vivos, mortos, eles deambulam pelo túnel. Música contemporânea, chamada de improvisação, nada tem de improviso, pois toda ela é controlada. A banda magnética, diz o compositor, é um espelho dos próprios cantores.Tocando ao longo da peça musical com as duas pontas do diapasão na cabeça e logo colocando a outra extremidade no ouvido, os cantores entoavam sons, que sugeriam palavras não audíveis e que nos transportavam para essa viagem ao fundo do túnel, ao abismo da morte (tal como a cena de «Sonhos» de Akira Kurosawa, em que a personagem que  regressa da guerra, ao atravessar o túnel, se recorda de todos os que não voltaram, mas que, tendo morrido, se recusam a voltar ao mundo de Dante e o perseguem na memória do tempo, acusando-o de ele estar vivo e aqueles mortos). Assim se passa, também, com o murmurar daquela voz, aquele tom, que prenunciava no conto a morte de Camilo.No entanto A Cartomante mandava-o confiante para a morte, "cantando uma barcarola."
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(continua) 

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