sexta-feira, 2 de março de 2012

IV - As Relações da Sociedade com os Jornais

Além do problema gerado pela alta taxa de analfabetismo, que já foi referida, têm os jornais como herança o de lhes ter sido negada a crítica durante os longos anos em que foram censurados e, assim, a sociedade se foi desacreditando da imprensa, uma vez que ela representava um perigo para o poder instituído, e, por esse motivo, lhe era retirado ou posto em causa o seu devido mérito. 
Hoje, 1989, com a nova alteração da Constituição em discussão no Parlamento, põe-se novamente em questão o problema da liberdade e posse da imprensa. Se uma parte política pretende a desnacionalização completa dos jornais, alegando que só assim é que o "quarto poder" pode informar e formar, aperfeiçoando o equilíbrio entre os três poderes clássicos, outra parte defende que as empresas jornalísticas devem permanecer estatizadas, ou intervencionadas, para que esse poder não possa ser arbitrariamente administrado de molde a favorecer as forças políticas em presença,  ou vir a ser utilizado por grupos que irão possuir esses jornais. Já podemos observar que a venda dos jornais maioritariamente  intervencionados pelo Estado, ou mesmo sua propriedade, nem sempre tem sido de molde a proteger os jornalistas e os seus postos de trabalho. Quando foram abertas as propostas para a compra de um determinado jornal, este foi adquirido por uma outra empresa jornalística com uma pequena margem em relação à que os jornalistas se proponham pagar, para eles mesmos ficarem a dirigir o seu jornal. Isso não foi levado em atenção, o que originou que o director se demitisse e assim se criasse mais uma situação que poderá pôr em risco a isenção e autonomia dos jornais.
"O jornal é uma ideia de financeiro e é, também, a batuta do poder", declara Leo Ferré. Creio que é contra esta possibilidade de o jornal se tornar um batuta do poder que se deve pugnar.
"Até metade do século XVIII o jornal é uma obra periódica que contém extractos dos livros imprimidos e memorandos das descobertas que todos os dias se fazem no domínio das artes e das ciências. Esse jornal correspondia, pois, em parte, à nossa imprensa especializada literária, artística ou científica. (...) Grandes mudanças se deram entretanto e, na sociedade do século XIX, quando o êxodo rural se acelera e os laços tradicionais se distendem, o jornal tem uma importante função de coesão social." Segundo a fórmula de Tocqueville: "se não existissem os jornais, quase não existiria acção comunitária."  Se refiro todas estas declarações, é para reforçar o quanto considero importante a acção dos jornais na sociedade e a sua influência na formação cultural dos leitores.
"Na década de 70, no decorrer das suas controversas conferências sobre o ensino, Nietzsche perorava essa assinalável revolução cultural: é no jornal que a especificidade da nossa época relativamente à cultura atinge o seu ponto culminante: o jornalista, o grande mestre do instante, tomou o lugar do grande génio, do guia definitivo, do doador do instante." Desenvolve-se, a partir de então, uma nova concepção de jornalismo, que insiste,  sobretudo, na sua função cultural. Brecht atribuía uma réplica ao criado Matti: "se um professor não souber nada de nada, o pior que pode acontecer é que a aldeia inteira não seja capaz de ler o jornal." (18)  Era reconhecido aos jornalistas o papel de educador de opinião.
Num artigo intitulado «Ensinar Português na Escola de Hoje», inserto no Diário de Notícias de 26 de Março do ano corrente, Odete Santos, professora do Ensino Secundário, afirmava a dado passo: "os jornais - nomeadamente os semanários - pesam-nos nos braços, com os seus suplementos intermináveis. Grande parte da população que sabe ler, neste nosso País, informa-se, forma-se, distrai-se através dessas resmas de papel. Não pode, a escola institucional divorciar-se dessa escola paralela.
Reabsorver, na aula de Português, esses discursos plurais é apostar, a todo o custo, no projecto de evitar que os nossos jovens sejam consumidores acríticos, acéfalos, desses produtos culturais."
Porém, numa sociedade onde o saber se encontra desigualmente repartido, esses propósitos pedagógicos deparam ainda hoje com enormes dificuldades. Estas têm que ser esbatidas através dum jornalismo cativante que nos traga algo do quotidiano de cada um. Marshal Mac Luhan confirmava esta mutação: o antigo jornalista era objectivo; o novo jornalismo é imersivo: exige que se entre em contacto com a situação mergulhando nela.
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Nota:
(18) - BRECHT, B. Mestre Puntila e o seu criado Matti, Teatro Completo, Ed. Portugália. 
   

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