sexta-feira, 30 de março de 2012

As Sempre Vivas - Várias Histórias

Aquilo era Um Apólogo (autêntico) , em que estas duas personagens não queriam ficar em estatuto inferior! Agulha não tem cabeça, dizia-lhe a linha. A outra retrucava que tinha razões para ser orgulhosa, pois ela é que cozia os vestidos da baronesa. Mas não! Sou eu, dizia a linha! Eu vou à frente, é que faço os buraquinhos. Que eu preencho, dizia a linha, também os tambores vão à frente do Imperador! "Você imperador"? Dizia a agulha, despeitada pois presumia ser a primeira.
Entretanto entra no sonho a costureira, que se põe a trabalhar com suas delicadas mãos, e dedos esguios como os galgos da deusa Diana; e vai unindo sedas umas às outras, até que por fim está pronto o vestido para a festa. Vestida a baronesa,  a linha sente-se muito vaidosa e diz à agulha: Vê, você fica aí, não tarda está no cestinho das escravas, e eu vou juntinho ao corpo da ama à festa.
A agulha nada tinha a dizer, mas logo surge em cena um alfinete em sua defesa e lhe diz: aprende, e não sejas tola, abres tu o caminho para ela ir depois gozar as delícias das festas! Faz como eu, que onde me espeto é para ficar! Este sonho, recorda aqueles caminhos que são abertos pelas agulhas laboriosas, mas depois são preenchidos por quem os não merece!

Quem não merecia sofrer assim era Venâncinha, que naquele dia se desfazia em lágrimas, tudo porque tinha discutido com o marido e até se tinha falado em separação! Mas para salvar a situação surge por acaso D. Paula, tia amorosa que logo se preocupa em saber porque chora a sobrinha. Deixa lá, que vou falar ao Conrado e tudo se há-de esclarecer. Assim fez. Ele tinha muitas queixas da mulher, que era uma cabeça de vento, namoradeira, tinha um admirador que lhe fazia a corte, com ela dançara e conversara na noite anterior e mais vezes; no teatro por exemplo, tudo eram sorrisos e ternuras! D. Paula diz-lhe que devia fazer ver a Venâncinha  o quanto ficava mal à reputação de uma senhora ser delicada e mostrar boa vontade aos homens! Ela era jovem e bonita, justo era que gostasse de ser cortejada. Conrado, mais convencido, estava disposto a perdoar, e D. Paula diz-lhe que a leva dois meses consigo para a Tijuca e lá se lhe recomporá o espírito! Fazem esse acordo.
Mas quem era o alegre conquistador? Já de saída, D. Paula sabe o seu nome: Vasco Maria Portela. O quê? O antigo Diplomata? Não, esse tinha agora o título de barão, e vivia fora; era o filho, "um  pelintra", regressado da Europa. A velha senhora tremia e vinham-lhe as recordações à mente. Voltou a casa e contou à sobrinha, que aceitou as condições, e, lá foram as duas para o alto da Tijuca.
Sozinhas, começaram as confidências e a sobrinha conta à tia aquela paixão que desabrochara por Vasco, delicado cavalheiro que a pretendia. Certo dia, surge ele a cavalo junto da casa da tia. Venancinha escondeu-se; ela afinal queria o Conrado! Porém a tia apreciou aquele belo jovem e à memória vieram-lhe os momentos de trinta anos atrás em que ela tinha amado o pai daquele mesmo rapaz. Ambos eram casados e mantiveram o seu casamento; tinham vivido essa paixão até a esgotarem, horas belas, doces e amargas, sorrisos e lágrimas, até que o tempo tudo esgotou. Hoje já viúva, D. Paula sentia que eram coisas "truncadas". Era uma mulher respeitada e sóbria. Através da sobrinha e da sua aventura (que não chegara a ser adultério), ela revivia o seu próprio passado, voltava atrás as páginas do livro da sua vida.
Fazia-lhe ver entretanto as qualidades do marido e como as paixões podiam trazer o "repúdio" da sociedade e o fim da instituição casamento. O medo fazia-a reponderar, e a sua alma ia sarando. O marido veio visitá-la mas pôs a "máscara"  à entrada. Fazia-lhe sentir que ainda estava magoado e não perdoava tão facilmente. A hipocrisia mesmo que disfarçada existia, as aparências tinham que ser ressalvadas. A castidade, o amor devotado ao marido, isso é que era merecedor do respeito público, dizia D. Paula à sobrinha. Até que ficou sozinha e verificava de si para si que aquelas folhas que se moviam com o vento, eram as mesmas de geração em geração e lhe traziam o eco do tempo passado.
Lembra-se Paula? Lembrava, contudo no seu coração as cinzas eram já apagadas, só na cabeça imperavam ainda. Sabia-lhe bem o ar da noite, mesmo que em nada se parecesse essa noite com aquelas que viveu no tempo de Stoltz e do Marquês de Paraná.
As escravas contavam anedotas aguardando que as memórias passassem à Sinhá Velha e que ela se fosse deitar. Nessas anedotas aparecia uma que mais parecia uma história das mitologias imemoriais. Elas contavam para Viver, e contavam-na assim: 

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(continua)      

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