Preconizava, por isso, que o factor racial tivesse "um papel secundário", e durante muito pouco tempo, desde que terminassem "as relações de senhor para escravo". E dá o exemplo da guerra em que este problema racial foi ultrapassado, quando, em vários casos, portugueses se puseram a lutar do lado dos movimentos de libertação. Alerta, então, para as atitudes de revanche social. Os senhores de hoje não podem ser os escravos de amanhã, porque senão é impossível construir aquilo que desejavam, "ou seja a liberdade do homem". Considerava que as lutas de libertação se destinavam "a corrigir violentamente as relações entre os homens," mas também a transformar positivamente todo o continente africano e o mundo inteiro, acabando com a opressão.
No aspecto pragmático da questão, pensava que o inimigo principal, para além do colonialismo, é o próprio sistema imperialista, que alimenta as mais diversas tensões entre os povos, utilizando-as em seu favor próprio, como sejam: "os factores raciais, tribais, de classe, e outros", para que em África se mantenham os mais diversos interesses económicos. Porque mesmo aqueles países que obtiveram a sua libertação política, continuam dependentes quanto ao aspecto económico, mantendo "relações preferenciais com a sua antiga metrópole", a que os ligam laços culturais. Por isso, considerava que só a libertação do homem seria a etapa final do processo de libertação nacional.
Fala, então, em como Angola tem "desde há séculos (...) elementos brancos ", que se enraizaram e multiplicaram por "gerações e gerações". Esta "população branca domina os centros urbanos, provocando o fenómeno da mestiçagem", que tornou a sociedade interligada nas suas componentes raciais; este pormenor, se for esquecido, alerta este líder, "se a luta de libertação esquece a realidade do país e se atém a formulações gratas a nacionalismos sinceros, mas pouco preocupados com o aspecto do desenvolvimento sócio-histórico do povo, ela estiola-se e não pode atingir os seus objectivos políticos e humanos." Continuava a dizer aos estudantes que era reaccionário fazer da luta da libertação "uma luta racial, de pretos contra brancos", e em como "essa tese" não tinha futuro.
Transcrevo as suas próprias palavras: Pôr, portanto, o problema preto contra branco, é falsear a questão, é desviá-la do seu objectivo". E, então, o que pretendiam? Eis que logo responde à própria questão colocada: "uma vida independente como nação, uma existência em que as relações económicas sejam justas entre os países e dentro do país, um reviver dos valores culturais...", porque aquilo que deve, efectivamente, defender-se como justo é a cultura , apesar de estes "laços culturais" não evitarem as diferenças político-ideológicas.
Aqui abre como que um parênteses, para falar sobre "o conceito literário de negritude", que considerava ter "nascido das correntes filosófico-literárias que fizeram a sua época." E se concorreram para a tomada de consciência de uma cultura própria, de origem africana, de todos os negros do mundo, hoje era patente a diferença existente entre o negro americano e o africano. "O fenómeno da miscigenação produziu um outro tipo de homem (...) não existe, portanto, uma identificação somática e há fortes diferenças culturais"; por isso, conclui que cada povo "tem a sua vida própria", preocupando-o a ideia "messiânica" do regresso a África. Era assunto ultrapassado.
E volta à determinação de saber quem é o inimigo. Fala, então da importância de cada um, sul-africano ou americano, saber encontrar a solução para se libertar da opressão, tornando-se um homem livre, mas rejeita com veemência a ideia de que "a luta de libertação" possa vir a ser transformada em luta racial, reconhecendo a existência do problema racial e da exploração. A luta era, porém, fundamentalmente dirigida contra o sistema colonial e o imperialismo. Esse, sim, o inimigo. Rejeitando "também a ideia da libertação negra", porque o "problema" não podia ser "puramente racial", logo de seguida diz: "O que nós desejamos é estabelecer uma sociedade nova, onde negros e brancos possam viver em conjunto." Apesar de pensar que o "processo democrático deve exercer-se" de molde a proporcionar um governo das maiorias exploradas negras, o controle político, para que se restabeleça a vida cultural e económica, que permita a relação com outros países "numa base de igualdade e de fraternidade."
Delineados estavam os objectivos e determinado o inimigo, falou, ainda, sobre a forma como seria possível, nessa etapa a libertação. Parte então para a análise da situação que se vivia, não só em África, mas em "todo o chamado terceiro mundo", como fontes de exploração das matérias primas e a mão-de-obra barata. Esta análise leva-o a falar sobre a divisão do mundo em blocos, e dos países não alinhados que tentavam "a defesa dos menos desenvolvidos".
Os socialistas, apesar de serem aqueles que "maior apoio davam aos movimentos de libertação", encontravam-se divididos e enfraquecidos "por inconciliáveis concepções ideológicas": logo, era posta em causa a ajuda solidária. O próprio ideal proclamado pelo socialismo era manchado por conflitos de maior ou menor grau; por isso, "a libertação nacional" não dispunha de bases muito sólidas no campo internacional. "As afinidades políticas ou ideológicas" não chagavam, porque "outros interesses dominavam as relações entre as forças de libertação e o mundo".
Mundo este que reconhecia em transformação; daí a necessidade de alerta, pois maior era o perigo de os inimigos penetrarem. Os movimentos de libertação também se viam "a braços com a sua independência política e ideológica"; a luta era afectada pelas suas próprias contradições, que eram a prova das diversas concepções de definição de inimigo e quais os objectivos a atingir.
Assim, fala dos diversos rumos que muitos gostariam que tomassem: luta de classes, racial, tribal, ou federalista, etc. Este problema colocava-se, porque os próprios movimentos se viram "obrigados a fazer a luta de libertação a partir do exterior". Refere os efeitos do próprio exílio.
À Organização de Unidade Africana competia ajudar ainda mais os movimentos, para que estes pudessem ser independentes e proceder "de acordo com a realidade do país". Apelava, assim, a um diálogo entre a África liberta e a dependente, para que daí lhes adviesse a força necessária à concretização da sua política. Alerta para o aspecto de não se querer alargar neste assunto, para que não pareça "haver intenção crítica". Porém, aponta ainda os exemplos em que se poderiam tornar colaboradores: "no plano económico, deixando de participar nas transacções internacionais dos produtos oriundos de Angola. Sugere, ainda, "a associação de movimentos de libertação nas discussões sobre problemas" que considerava "cruciais" e que iriam "afectar" também o continente africano, como sejam "a associação mais larga da África no Mercado Comum, ou nos problemas da segurança europeia.
Lisboa, Maio de 1991.
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