O Diário de Notícias é, quanto a mim, o que contribui diariamente com um maior número de rubricas que ajudam o leitor a cultivar-se através da leitura do jornal. Tem diversos suplementos com matérias específicas cada dia da semana, que são um contributo valioso para a divulgação cultural. A revista a cores que sai com no jornal de Domingo, aborda assuntos como o teatro, o cinema, fotografia, pintura, novos livros, etc.; assim como o suplemento cultural, Caderno -2 -, que, ao longo dos anos, tem primado pela qualidade e tentando sempre a isenção e o bom jornalismo. Trata de assuntos cativantes e actuais, como sejam, a educação, a arte, a história e a crítica literária na sua revista de livros, que, durante muitos anos foi assinada por João Gaspar Simões, que contribuiu para dar a conhecer e lançar muitos livros e autores. Hoje são essas críticas literárias efectuadas por Maria Lúcia Lepeki. No entanto, vou abrir um parenteses e dar uma opinião pessoal, uma vez que penso que devemos ler os jornais sob uma perspectiva crítica. Não devia criar-se o hábito de todos os domingos ser sempre a mesma pessoa a fazer a leitura crítica de um livro; longos anos o fez João Gaspar Simões e creio que foi um erro. Temos tantos e bons profissionais de literatura, que deviam ser convidados a colaborar, porque assim estaremos novamente a formar mentalidades sempre por uma única perspectiva. Creio que se optassem por um pluralismo de colaboradores nesta rubrica, não cansava tanto sempre o mesmo género de escrita e análise e os leitores sairiam beneficiados.
Refiro aqui que numa das últimas aulas de Literatura Contemporânea, a 31 de Março passado, promovida pelo Departamento de Estudos Portugueses da nossa Faculdade, foi uma questão levantada por uma participante, que as críticas dos jornais levam a comprar certos livros, uma vez que, como disse a participante, quando se entra nas livrarias não é possível obter todos os livros que gostaríamos de ler; aí entra então a influência da crítica do jornal. O leitor compra porque o livro ou o escritor é mais referenciado. Neste caso, a pessoa em questão tinha comprado livros de Lobo Antunes em vez de João de Melo, uma vez que ambos tratavam a temática da guerra colonial, e confessava-se então influenciada pelos jornais nas suas compras, lamentando não conhecer nenhuma obra de João de Melo, que nessa noite nos dava a aula semanal. Foi, neste caso, focado o aspecto de os colaboradores dos jornais serem mal pagos e terem de ler dois a três livros por semana para depois fazerem as críticas, pronunciando-se, por vezes, sem aquela segurança na análise que devia ser dedicada à obra. Se anotei esta achega é porque mais uma vez confirmei o poder dos jornais quanto à temática que escolhem incluir nas suas páginas, e penso que, como diz Silva Costa: "é urgente recuperar para o jornalismo o estatuto de produtor cultural de primeira água, independentemente da sua relação com a literatura." (14) Porque todo o jornalismo deve ser cultural (15), e, como disse José Carlos de Vasconcelos, "a primeira coisa que deve caracterizar o jornalismo cultural é essa apetência para dar a notícia, (...) o que distingue o jornalismo, e até o jornalismo como género literário, é a utilização da linguagem como meio e não como fim, como no caso da poesia. (...) Para quem pretende atingir estratos que não só os dos iniciados, a necessidade de pôr as perguntas que o comum dos leitores poriam, é fulcral." (16) deve ser a verdadeira tentativa dos jornais quanto à temática a inserir nas suas páginas, pôr as perguntas que o comum leitor poria. "Interrogar o habitual, (...) talvez devamos fundar a nossa própria antropologia: aquela que há-de falar de nós, (...) o que há a interrogar é o tijolo, o betão, o vidro, as nossas maneiras à mesa, as nossas ferramentas, os nossos ritmos. Interrogar aquilo que parece ter deixado de nos surpreender." (17) Esta é, penso eu, uma criatividade de temas para os jornais, fazer com que "o mundo do jornalismo seja o próprio mundo", e não unicamente um mar de catástrofes e de notícias sensacionalistas.
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Notas:
(14) - Silva, Costa, Jornalismo e Literatura, Jornalismo Português: Literariedade em excesso? pp.59.
(15) - Prado Coelho, Eduardo, in «Vozes e os silêncios do jornalismo Cultural», JL, nº 101, Junho de 1984, pp.5.
(16) - Vasconcelos, José Carlos de, Idem.
(17) - PEREC; Georg, A Imprensa, «Abordagens de Quê?»
Esta
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