No livro da criação, imaginava, algo estava errado; bom seria, então, perguntar a Adão e Eva porque erraram. Qual deles foi culpado? É essa discussão que vamos encontrar em casa de D. Leonor. A imaginação será tanto pecado como a curiosidade? Será mais feminina ou masculina? Frei Bento, presente ao almoço dessa dia, a tudo se escusava. Tocava viola e harpa tão bem como sabia os segredos teológicos. Pronuncia-se , então? Mas não! Era assunto em que não queria tocar. Seria de Adão a culpa, ou de Eva, a perda desse paraíso, eternamente sonhado e antevisto pelos homens, para sempre perdido? Acabou por ser o juiz de fora a emitir opinião.
Tudo o que está escrito no livro do Pentateuco é muito posterior; por isso, nada leva a crer que assim se tenha passado. Não foi Deus que criou o mundo, mas o diabo (daí a dificuldade de se encontrar um astro esplêndido?). Cruzes! Dizem as senhoras presentes. Belzebu para aqui chamado, não! Diz D. Leonor. Seja. Chamemos-lhe então tinhoso! Ele, ao criar o mundo, ficou com as mãos livres; então, decidiu-se e criou as trevas; logo Deus criou a luz, e assim se fez o primeiro dia. No segundo, os furacões e tempestades; mas logo a acalmia desceu do "pensamento divino"; ao terceiro dia, da terra nasceram as ervas daninhas e os abrolhos; porém, logo Deus criou as árvores de fruto e os vegetais saborosos.
Um cavou abismos e cavernas, o outro as estrelas, o sol e a lua: isto tudo ao quarto dia. No quinto, os animais da terra do ar e do mar. No sexto dia , aí criou o tinhoso o homem e logo depois a mulher, belos sim, mas sem possuírem alma. Veio então Deus e, de um só sopro, deu-lhes tudo o que precisavam: alma e um paraíso para morarem. Só não podiam comer os frutos daquela árvore, porque eram frutos que levavam a diferenciar o bem do mal.
Viveram felizes, até que o tinhoso se lembrou de chamar a serpente, que invejava Adão e Eva, porque eles andavam direitos: tinham sido feitos para as alturas e não para rastejar. E encarregou-a de os tentar. É para já, diz a serpente, a quem o tinhoso deu assobio, e lhe disse: ficarás com a melhor parte da criação, que são os homens, e neles poderás incutir todo o mal! Esta assim fez, e procurou falar a Eva, dizendo-lhe: conhecerás todos os segredos da vida e a origem das coisas! O teu ventre se reproduzirá, e darás ao mundo Safo, cantando as suas líricas, e Cleópatra, Dido e Seminaris, Cornélia e Débora, mais tarde Maria de Nazaré. Porém, chegou Adão e disse-lhe: Não acredites em nada; vem daí. Ambos foram recompensados: veio o anjo S. Gabriel e levou-os para a "estância eterna", dizendo-lhes que o mundo, esse, ficava entregue a tudo o que o tinhoso construíra: nele reinaria a serpente, aquela que é capaz de rastejar, bajular e morder; vencerão estes, porque aqueles que são puros de coração, não encontrarão aqui lugar; no reino da serpente será difícil a esperança ou a piedade.
O juiz pedia agora mais doce a D. Leonor, e esta, como todos os que esperavam uma explicação, ficaram, de certo modo, surpreendidos. Mas logo o juiz, saboreando o doce e perguntando se ainda era daquela antiga doceira de Itapagipe, lhes disse: Creio bem que nada disto aconteceu; é tudo pura invenção. Mas eu conto-lhes um caso verdadeiro, que ficou escrito e me foi endereçado pelo próprio, conhecido como O Enfermeiro. Vamos então ouvir com atenção, disse Dona Leonor.
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